sábado, fevereiro 16, 2013

“Reforma do Estado” ou aniquilação do estado social

1. Passos Coelho e o seu governo não pretendem uma verdadeira reforma do Estado mas, em sua obediência cega e a qualquer preço às políticas neoliberais, uma alteração estrutural da orgânica e funcionamento do Estado e da sociedade, um novo modelo económico e social, uma alteração profunda no modo de distribuição da riqueza produzida no país. A entrega do património do Estado aos privados, a desregulação do mercado de trabalho, a diminuição dos salários e pensões, os cortes sociais, na Educação, Saúde e Protecção Social, o aumento de impostas de quem trabalha, tudo afinal o que constitui o “pacote de medidas neoliberais” a ser aplicado de uma só vez, custe o que custar, e rapidamente. Alias, Passos Coelho sabia bem o que queria quando há meses falava em refundação do Estado, e não em reforma do Estado. Refundar é alterar, mudar o modelo, a estrutura interna do Estado, enquanto reformar é melhorar essa estrutura conservando o seu modelo. E o que o governo deseja é na verdade alterar profundamente o modelo social.
O governo tem consciência de que o Estado de bem-estar e as suas políticas sociais, não são apenas uma “administração”, mas um modelo civilizacional. O propósito é alcançar o empobrecimento generalizado da população, o chamado “ajustamento” num projecto que deve ser aplicado o mais rapidamente possível, de uma só vez, “custe o que custar”, projecto impassível à destruição económica e social do país que se agrava dia a dia. Numa nova repartição dos rendimentos em que a redução das funções sociais do Estado se torne permanente e consolidada. Porque, ao reduziram-se e tornarem-se mais dispendiosas para as famílias as funções sociais do Estado, isso significará uma efectiva redução dos seus rendimentos.
O anunciado corte de 4.000 milhões de euros nas funções sociais do Estado, tendo como principais vitimas, os sectores da Educação, da Saúde e da Protecção Social, é o meio ardiloso que o governo engendrou para aniquilar de modo rápido e eficaz o que resta do estado social, depois de todos os cortes que nele têm sido infligidos ao longo deste último ano e meio. Aproveita ardilosamente a crise que o país atravessa, que ele próprio intencionalmente vem agravando, para forçar e tornar aceitável perante a opinião pública, o “inevitável” corte de 4.000 milhões de euros.
 
2. Ao contrário do que diz a propaganda oficial, o somatório das despesas com Educação, Saúde e Protecção Social, apesar de constituir na verdade “quase 70%” da despesa pública, encontram-se aquém da média dos países da união europeia. Vejamos sector por sector (dados de 2008, hoje, todos estes gastos sofreram já acentuadas reduções). No caso das despesas em Educação, Portugal gasta 6,0% do PIB, sendo a média da união europeia de 5,2%. No sector da Saúde, as despesas ascendem em Portugal a 6,4% do PIB sendo que a média da união europeia é de 6,9% do PIB. Nas despesas com a protecção social as despesas em Portugal somam 17,5%, sendo a média da união europeia de 18,2%. No somatório das despesas destes três sectores, Portugal gasta 29,9% do PIB enquanto a média da união europeia é maior, situando-se nos 30,3% do PIB. Estes 29,9% do PIB correspondem na verdade, a cerca de 65,8% da despesa pública total (dados 2008), contudo, continuam inferiores às médias da união europeia como vimos. Na documentação do próprio gabinete de planeamento do Ministério das Finanças, Gpeari, de onde foram retirados estes dados, pode ler-se – “as despesas com protecção social, saúde e educação representavam, na generalidade dos países, incluindo Portugal, mais de 2/3 da despesa pública total”.
  E, sendo assim, onde reside a surpresa de uma tal situação? Depois dos gastos nestes três sectores das funções sociais do Estado somados aos gastos da Segurança e Assuntos Económicos onde querem afinal gastar o dinheiro dos nossos impostos?
O caso das despesas da Protecção Social (Segurança Social) merece uma outra referência. Na verdade, as despesas da Segurança Social não são propriamente despesas da mesma natureza que as da Educação ou Saúde, uma vez que a maior fatia destas despesas é paga com a receita recolhida dos descontos salariais dos trabalhadores e da taxa social dos empregadores. É certo, que devido ao agravamento da crise, o orçamento do Estado tem cada vez maiores participações para a Segurança Social contudo, a maior fatia da receita advém das participações dos trabalhadores e empregadores. Acresce que o Estado, como “patrão” dos funcionários públicos, deveria do mesmo modo que qualquer empregador estar sujeito à taxa social única (23,75% por funcionário), coisa a que sempre se escusou. Mais, na história da Segurança Social, depois do 25 de Abril, os vários governos retiraram, sem qualquer escrúpulo, dinheiro à Segurança Social e que nunca foi reposto (1).
 
3. O corte de 4.000 milhões de euros nas principais funções sociais do Estado, a concretizar-se, constituirá senão a aniquilação do estado social tal como o conhecemos, uma alteração profunda da sua natureza, passando de um estado social abrangente e universal para um estado de apoio assistencialista e apenas para os excluídos, para a franja mais miserável da população (2).
Nos anos que se seguiram à segunda guerra mundial, os estados democráticos europeus conheceram um forte desenvolvimento económico e social. Apoiados na nova doutrina económica de Keynes, num capitalismo produtivo distributivo, em que os estados, através de fortes investimentos públicos asseguravam, por um lado, um desenvolvimento económico expansionista e por outro, uma distribuição da riqueza mais justa e equilibrada entre os rendimentos do trabalho e do capital.
Para assegurar esta mais justa e equilibrada distribuição da riqueza, a par de uma política de impostos progressiva, nasceram os chamados “estados sociais”, proporcionando à generalidade da população, um acesso “tendencialmente gratuito” à Educação, à Saúde e à Providência. Deste modo, era assegurado à maioria da população um rendimento suplementar ao seu salário. O Estado actuava na distribuição da riqueza criada pelo país, retirando rendimentos dos mais ricos (através dos impostos progressivos) para os redistribuir pela população. A sociedade tornava-se mais saudável e mais apta, com maiores conhecimentos, e atenuavam-se as desigualdades sociais, factores considerados então como fundamentais para um mais acelerado e maior desenvolvimento económico
O que o governo de Passos Coelho e a generalidade dos governos europeus pretendem, é reverter radicalmente a grande transformação social e económica do pós-guerra, que trouxe paz e crescimento à Europa para um novo modelo de sociedade, baseada no individualismo e na mercantilização. Mais desigual, em que o Estado abdique de quaisquer funções sociais, na Saúde, na Educação e na Previdência. É por esta razão, que os governantes protagonistas deste propósito, não se atrevem a falar do futuro. Porque o “progresso” que advogam é um progresso que não atende às exigências do bem comum, é o progresso dos ricos, dos oligarcas e não da sociedade, da comunidade. Relembre-se a extraordinária definição de bem comum dada pela encíclica Mater et Magistra “o bem comum é o conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa humana”.
Para o “progresso” deste novo modelo, o atenuar das desigualdades deixaram de ser factor de crescimento, pelo contrário, advoga-se o acentuar das desigualdades sociais (segundo Friederich Hayek “a desigualdade não é lamentável, mas extremamente desejável. Simplesmente, ela é necessária”). Do mesmo modo, as políticas do pleno emprego deixaram de constituir para o neoliberalismo factores de desenvolvimento económico e assim por arrasto, a manutenção ou melhoria da Saúde e Educação.
A “refundação” de Passos Coelho, não é mais do que uma verdadeira tentativa de golpe de estado. Um golpe de estado contra a Democracia e os direitos democráticos.
 
(1)Em 1996/97 o 1.º Governo Guterres nomeou uma Comissão, com vários especialistas, entre os quais os Profs. Correia de Campos e Boaventura de Sousa Santos, que em 1998, publicam o "Livro Branco da Segurança Social". Uma das conclusões, diz respeito ao montante que o Estado já devia à Segurança Social, ex-Caixas de Previdência, dos Privados, pelos "saques" que foi fazendo desde 1975.
(2) Passos Coelho não se cansa de afirmar “que não é justo que os que podem não paguem pela Saúde ou Educação”, sabendo que para ele todos os que tenham salários superiores a 600 euros são ricos não será difícil imaginar o alcance dos seus propósitos.

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

pós-crise

Passados cinco anos de implosão da ordem neoliberal, o sistema capitalista está longe de dizer “habemuspapam”.
Entre a austeridade imposta à Europa e a liquidez contra cíclica dos EUA seus cardeais ora parecem hesitar, ora ganhar tempo.
Nesta 4ª feira (13), os dois lados da crise transatlântica convergiram para um meio fio que os elucida mais que todas as palavras e aparências. A ideia é criar um grande “nafta” europeu/norte-americano, equivalente à metade da produção. Labirínticos acordos de eliminação recíproca de tarifas terão que ser vencidos para o desfecho da crise redundar nessa imensa “pátria grande dos livres mercados”.
A bandeira motivacional é defender ambas as margens do avanço implacável da concorrência chinesa.
Do ponto de vista social significa algo do tipo: façamos com o emprego, a indústria, agricultura e os serviços aquilo que a concorrência oriental faria de qualquer jeito.
 O relevante nesse aceno do consistório conservador é o fato de dobrar a aposta na mesma lógica que jogou a humanidade na pior crise desde os anos 30.
O papel reservado a governos e Estados no processo é o de sempre. E estrito: desregular, desbastar, escalpelar direitos, abrir espaços ao livre fluxo dos capitais e negócios.
E seja o que Deus quiser.
O combustível da corrida são as inovações tecnológicas assadas em fogo alto nos laboratórios das corporações globais, que tem escala e capital para isso.
De novo: "e seja o que Deus quiser".
Externalidades como o custo adicional em pobreza e desigualdade, ademais da soberania dos povos, ficam a cargo do poder de ajuste e convencimento dos respectivos centuriões locais.
Há poucos dias a banca europeia fechou a conta de seu desempenho em 2012: 55 mil demissões.
A pátria sem fronteiras dos accionistas aplaudiu.
Ajustes e aplausos equivalentes ocorrem em todas as áreas e nos diferentes pontos cardeais do planeta, mediante números equivalentes.

Saul Leblon
(continuar a Ler em Cartamaior)

sábado, fevereiro 09, 2013

As despesas do Estado e a desinformação manipuladora


Não há comentador apoiante do governo que não fale das despesas das funções sociais do Estado. Dizem eles que só em Educação, Saúde  e Protecção Social, o Estado gasta quase 70% do seu orçamento. E apresentam tal número, como se ele constituísse um brutal exagero, uma enormidade de gastos.
Ora, tal como poderá verificar-se pelos dados da OCDE (2008), as despesas dos governos em saúde, educação e protecção social em % do PIB são afinal da mesma ordem de grandeza das verificadas no nosso país.

Despesas dos governos em saúde, educação e protecção social em % do PIB. Dados de 2008 (OECD Government at a Glance)
Denmark 71,6
Germany 68,7
Norway 68,0
Austria 67,6
Finland 67,6
France 67,3
Sweden 67,2
Luxembourg 65,9
Portugal 64,6
Slovenia 63,5
Switzerland 63,2
Ireland 63,1
Australia 63,1
United Kingdom 62,8
Italy 62,3
Belgium 62,3
Poland 61,1
New Zealand 60,9
Canada 60,3
Spain 59,8
Netherlands 59,6
Estonia 59,3
Slovak Republic 58,6
Czech Republic 57,7
Hungary 56,8
United States 56,5
Greece 56,1
Iceland 43,7




E, já agora, vejamos qual o peso dos funcionários públicos da nossa Administração Pública na população activa, para desmistificarmos o que se propagandeia por aí.

PESO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NA POPULAÇÃO ACTIVA. (Eurostadt 2004).
Suécia - - - - -- 33,3%
Dinamarca - - -30,4%
Bélgica - - - - - -28,8%
Reino Unido - -27,4%
Finlândia - - - - 26,4%
Holanda - - - - -25,9%
França - - - - - --24,6%
Alemanha - - - 24,0%
Hungria - - - - --22,0%
Eslováquia - - - 21,4%
Áustria - - - - - -20,9%
Grécia - - - - - --20,6%
Irlanda - - - - - -20,6%
Polónia - - - - --19,8%
Itália - - - - - - --19,2%
Rep. Checa - --19,2%
Portugal - - ----17,9%
Espanha - - - ---17,2%
Luxemburgo - -16,0%

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

controlo planetário



Um dos efeitos indirectos da crise mundial, é que há um forte avanço recente no estudo dos grandes grupos económicos e das grandes fortunas.
Aliás, o imenso esforço de comunicação destinado a atribuir a crise financeira mundial ao comportamento irresponsável dos pobres, seja nos EUA ou na Grécia, é patético.
Um estudo que sobressai, de autoria do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH na sigla alemã), constatou que 147 corporações, das quais 75% são grupos financeiros, controlam 40% do sistema corporativo mundial. No círculo um pouco mais aberto, 737 grupos controlam 80%. Nunca houve, na história da humanidade, nada de parecido com este nível de controlo planetário através de mecanismos económicos e financeiros.
A apropriação ou no mínimo a fragilização das instituições políticas, frente a estes gigantes, torna-se hoje um facto comprovado.