Portugueses de segunda

Durante estas três últimas décadas do pós 25 de Abril, nunca ninguém pôs em causa as escutas telefónicas ou o modo como se processava a sua realização. Hoje, a questão das escutas é um outro folhetim a que diariamente assistimos. Será bom lembrarmo-nos que todo este alvoroço começou com as escutas do processo Casa Pia.
Enquanto os escutados foram os Zés ninguém deste País nenhuma voz se levantou em defesa dos direitos e liberdades individuais destes pobres cidadãos, apenas quando tais escutas atingiram figuras públicas, elites políticas e outras, é que presenciamos o incómodo, o alvoroço e o alarido que elas provocam em tão “superiores” e nobres criaturas.

Com frequência temos presenciado nos últimos tempos uma certa defesa doutrinária desta diferenciação entre cidadãos. A última das quais bem recente, de um tal Vital Moreira, que sem rebuço, preto no branco, coloca como argumento para não se referendar o novo Tratado Europeu o facto espantoso de a esmagadora maioria dos eleitores (leia-se os Zés ninguém deste país) não ter capacidade de compreensão do texto do dito Tratado. Há uns meses assistimos à tentativa da criação de um Tribunal só para atendimento de casos que envolvam políticos.

Tudo isto não são mais do que indícios inquietantes do despudor, do atrevimento que a nossa classe politica manifesta e da impunidade que goza. Nunca antes estivemos tão perto da criação de duas classes de portugueses – os de primeira e os de segunda classe. Os primeiros, super dotados de inteligência e outros dotes, governam e como tal têm o direito “natural” de tratamento diferenciado perante a Justiça. Os segundos, gente “naturalmente”inferior, terão direitos limitados e serão tratados nos Tribunais comuns.
E arroga-se esta gente de ser democrata.