A “reforma”da Administração Pública

Reformar, tem sido esta a palavra de ordem dos nossos políticos, dos comunicadores oficiais quer sejam economistas ou psicólogos; todo o mundo com espaço nos órgãos de comunicação social advoga a necessidade de reformar.
Todo o mal do País parece residir afinal na falta de reformas. Tem sido esta a ideia propagandeada e incutida nos cidadãos. E toda a gente, da direita à esquerda, passando pelo presidente da República aceita a receita como certa.
Das razões invocadas e que fundamentam a necessidade de reformar surge em primeiro lugar a elevada Despesa Pública resultante da elevada massa salarial da Função Pública se comparada com os valores médios europeus. Depois, vem a baixa produtividade do trabalho, também muito aquém dos valores médios europeus. Mas seguramente é sobre a Administração Pública (AP), nos seus elevados custos e na sua baixa produtividade, que toda a classe política centra a discussão, todos advogando em uníssono a necessidade da sua reforma.

Falar de baixa produtividade na AP será o mesmo que dizer que os custos da AD são elevados. Se for possível executar as mesmas tarefas com igual qualidade mas com custos inferiores a produtividade naturalmente aumentará. Tudo se resume assim, a “reformar” a AP no sentido de reduzir os seus custos. Coloquei reformar entre aspas, porque o conceito de reformar envolve alterações estruturais de fundo e não é dado como certo que os elevados custos da AP derivem da irracionalidade da sua orgânica ou dos elevados salários dos trabalhadores da Função Pública.
Assim sendo, quais as razões afinal que levam a AP portuguesa a ter custos tão elevados? Só conhecendo e analisando as razões que motivam tão elevados custos será possível introduzir medidas que os combatam. Um estudo recente, encomendado pelo ministro Teixeira dos Santos, veio demonstrar quão infundadas são as afirmações das altas remunerações dos funcionários da AP. (Por exemplo, nesse estudo um mecânico ganhava menos 38% que no privado, um engenheiro menos 37%, um assistente administrativo menos 29%, um motorista de ligeiros menos 33% e um director de serviços menos 61%). Não será portanto nos elevados salários dos funcionários públicos que residem os exagerados custos da AP. Existindo de facto uma massa salarial muito avultada na AP e não sendo os salários elevados como acabamos de constatar, as causas só poderão estar no elevado número de funcionários da AP. E assim acontece na realidade. Não são portanto causas estruturais ou disfuncionalidades, as verdadeiras causas dos elevados custos da AP mas, tão só, o exagerado número dos seus funcionários.

É do conhecimento público, que no período de 1995 a 2001, se registaram cerca de 120.000 ingressos na Função Pública. De 600.000 funcionários em 1995 chegou-se ao ano de 2001 com um efectivo total de 720.000. Um aumento de 20% portanto em número de funcionários, o que acarretaria em princípio, um aumento da massa salarial da Função Pública dos mesmos 20%. Só que, o salário médio destas novas entradas foi superior à média salarial dos restantes 600.000. A maioria destas aquisições destinaram-se sobretudo a preencher os quadros dos novos Órgãos do Estado que então proliferaram como cogumelos.Múltiplos serviços paralelos a serviços até então existentes na Função Publica, foram assim criados. Onde existia um director com um vencimento de 500 contos, passou a figurar um presidente, acompanhado de mais quatro ou cinco vogais administradores, com salários superiores a 1500 contos cada, cartão de crédito, carro , motorista, e demais mordomias.Instalados em edifícios modernos, com novos equipamentos, numa acumulação de despesas completamente irreflectida e sem sentido. Tudo somado, creio bem, que oaquele custo total subiu a pelo menos 25% da massa salarial da Função Pública ou seja 3,75% do PIB.
O Défice Crónico Anual, herdado desde 2001, é portanto equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto.Uma questão poderá colocar-se agora.Será que, chegados a 2001, a Justiça, a Saúde, a Educação, a Segurança e todos os outros serviços prestados pelo Estado, melhoraram na mesma proporção de 25%? A resposta é inequivocamente não. Se não existiu uma maior degradação dos serviços, e muitos afirmarão que sim, seguramente que não se sentiram quaisquer melhorias. (Postado no classepolitica em 07/02/06).

Eduardo Catroga em recente entrevista ao Diário de Notícias acaba de confirmar tudo isto.

Os sucessivos governos, paulatinamente, são os responsáveis pela introdução na AP das maiores disfuncionalidades. Com um injustificado aumento do número de funcionários, com a criação de Institutos com serviços paralelos à AP, com a criação de múltiplos órgãos públicos, (autoridades, inspecções, agências, gabinetes, conselhos, comissões, etc) desligados de qualquer racionalidade funcional, agindo como peças soltas da Administração, cada um com remunerações dos seus quadros diversificadas para as mesmas qualificações académicas, introduzindo a maior desarmonia, desequilíbrio e falta de equidade na Administração Pública. Foram os sucessivos governos que temos tido os responsáveis pela introdução da irracionalidade, da ineficácia e da baixa produtividade na AP.

A Reforma hoje necessária, seria precisamente aquela que procedesse à extinção de todos estes desgarrados e disfuncionais órgãos da AP, regressando a uma equilibrada, articulada, racional e eficaz AP estruturalmente assente em Direcções Gerais. Mas não é este o caminho das pseudo reformas que o governo tem em mãos. O PRACE segue desastradamente o mesmo trajecto, agora de forma global, do irracionalismo e disfuncionalidades cometidas ao longo dos últimos anos. O PRACE e os Estatutos de Carreiras e Vínculos agora apresentados, não invertem o desastrado rumo que vem sendo seguido pelos anteriores governos, bem pelo contrário, revelam projectar e introduzir as maiores distorções e irracionalidades ainda possíveis na AP.
Não há que dar sequer o benefício de dúvida ao governo relativamente a esta “reforma” da AP. Haverá antes, que alertar os cidadãos dos malefícios e prejuízos que ela irá acarretar e que se traduzirá inexoravelmente, em mais despesa pública e numa pior prestação de serviços aos cidadãos.