segunda-feira, abril 30, 2012

A grande mentira – “o problema da dívida pública”

Não existe plena consciência em muitos círculos progressistas de que o chamado “problema da dívida pública” é um fenómeno criado artificialmente para justificar o desmantelamento do Estado do “bem-estar social”.
Ter um superávit muito superior e uma dívida pública muito inferior à da Alemanha não serviu de nada para a Espanha. Não protegeu o país da crise. Como pode, então, dizer-se agora que a maior causa da crise é o elevado défice e a dívida excessiva, quando ter défice zero e dívida pública baixa não evitou a crise actual? A resposta está na aliança que ocorreu entre a banca alemã e a banca espanhola. O artigo é de Vicenç Navarro.
A grande debilidade do argumento neoliberal, que assume que o maior problema da economia espanhola é o défice e a dívida pública do Estado espanhol, é que os dados, facilmente acessíveis, mostram a sua insustentabilidade. Quando a crise começou em Espanha, o Estado espanhol não tinha défice. Antes pelo contrário, tinha um superávit, maior certamente que o que tinha o Estado alemão. Em 2007, o superavit do Estado espanhol era equivalente a 1,9% do PIB, mais de seis vezes superior ao alemão, 0,3% do PIB. E algo semelhante acontecia com a dívida pública, que representava em Espanha cerca de 27% do PIB, quase metade da dívida pública alemã, 50% do PIB. Na realidade, a Espanha era um “modelo” e exemplo de referência do pensamento neoliberal dado como exemplo de “ortodoxia” económica pelos economistas neoliberais.
Ter um superávit muito superior e uma dívida pública muito inferior à da Alemanha não nos serviu de nada. Não nos protegeu da crise. Como pode, então, dizer-se agora que a maior causa da crise é o elevado défice e a dívida excessiva, quando ter défice zero e dívida pública baixa não evitou que tenhamos a crise que temos, com mais de 23% da força laboral no desemprego? E porque é que esta explicação da crise continua a ser dada quando a evidência existente é tão avassaladora, mostrando o seu erro?
Para responder a esta pergunta temos que ver quais são as vozes mais estridentes em defesa desta explicação da crise. E entre tais vozes aqueles que têm um lugar proeminente são o Banco Central Europeu (BCE) e a banca alemã, e o Banco de Espanha e a banca espanhola, que são precisamente quem criou a crise. Na realidade, a banca alemã desempenhou um papel chave na génese da crise e no seu desenvolvimento. Segundo o Banco de Pagamentos Internacionais (The Bank for International Settlements – BIS) (Junho de 2010), a banca alemã emprestou 109.000 milhões de euros à banca espanhola, com os quais esta, em aliança com o sector imobiliário, investiu massivamente não na economia produtiva do país, mas sim na economia mais especulativa possível, criando a bolha imobiliária que, ao explodir, provocou a enorme crise e o enorme problema da dívida privada de Espanha que atingiu dimensões astronómicas (227% do PIB).
A banca alemã conseguiu lucros enormes, lucros que, certamente, não investiu na Alemanha (como Oskar Lafontaine, então ministro da Economia e das Finanças do governo alemão, e hoje um dos economistas mais clarividentes na Europa, queria que se fizesse e que, ao não ser feito, rompeu com o chanceler Schröder, o presidente social-democrata alemão responsável, juntamente com a chanceler Merkel, pelas políticas de austeridade a nível alemão e europeu, políticas promovidas pela banca alemã).
Em vez de estimular a procura alemã (e europeia), a Alemanha utilizou os grandes lucros, que conseguiu com a sua actividade especulativa em Espanha (e noutros países periféricos da Eurozona, como Grécia e Portugal), para acumular cada vez mais euros, convertendo-se na maior fonte de euros na Europa. O euro fez muito bem à banca alemã.
Agora, quando a bolha especulativa imobiliária explodiu, a banca alemã entrou em pânico, pois tinha grande parte do seu capital emprestado à banca espanhola e, em muito menor grau, ao Estado espanhol (cerca de 10% do seu investimento bancário). E começou a promover a falsa ideia de que o euro estava em perigo. O seu valor oscilou, mas não baixou substancialmente de valor em comparação com o dólar.
E daí derivam as políticas de austeridade, cujo único objectivo é que se pague aos bancos alemães (e franceses) a dívida tanto privada como pública que detêm. A mal chamada ajuda da União Europeia e do FMI aos países periféricos é ajuda para que se pague aos bancos alemães e franceses, principalmente.
Mas estas políticas de austeridade, com a baixa de salários, a diminuição da protecção social e os cortes do gasto público, estão a criar um problema gravíssimo que se chama Grande Recessão, causada pela enorme queda da procura interna e pela escassez de crédito, e que é a causa da diminuição da actividade económica e com isso da descida das receitas do Estado (e o consequente aumento do défice da dívida pública). Está aqui o problema oculto que alguns de nós temos estado a denunciar desde o princípio (ver o livro “Hay alternativas”, de Navarro V., Torres J. e Garzón A. em vnavarro.org). A evidência científica que apoia este diagnóstico é avassaladora. As políticas que a banca alemã e francesa (e espanhola) e os seus porta-vozes políticos, incluindo Merkel-Sarkozy e Rajoy, estão impondo são um suicídio económico.
Em seguida, deverá fazer-se a pergunta: porque continuam a promovê-la? Uma resposta é que os dogmas económicos são tão irracionais como os dogmas religiosos. O pensamento neoliberal é um dogma impermeável aos dados e aos fatos. Mas continua a reproduzir-se porque isso serve determinados interesses, os interesses da banca, com a cumplicidade dos aliados políticos (o ministro da Economia do Estado espanhol, o presidente do BCE, assim como grande número de pessoas responsáveis de levar a cabo e estimular as políticas de austeridade são banqueiros ou próximos da banca), que assumem que os interesses particulares da banca coincidem com os interesses gerais do país, o que não é verdade, como bem documentam os estudos rigorosos que mostram que as causas da crise são o comportamento negativo do BCE e do Banco de Espanha, e dos bancos que em teoria supervisionam, mas que na prática lucram em detrimento do interesse geral.
Na realidade, as soluções são fáceis de ver. E consistem na aplicação de políticas de estímulo económico, com um intervencionismo público que estimule a economia a criar emprego, juntamente com o estabelecimento de bancos públicos e uma regulação do sector bancário, forçando-o a recuperar a sua função social, a oferta de crédito. Mas, isso não acontece devido à enorme influência da banca e de outras componentes do capital financeiro nas instituições políticas e mediáticas de Espanha e da Europa.

10 Comments:

Blogger Os que estão a fazere tijolo dizem que bossa senhoria benceu.... said...

forçando uma banca seca de crédito e sobre-endividada a conceder créditos de difícil recuperação

acho que já vi isto antes...

2:19 AM  
Anonymous Anônimo said...

Estou muito preocupado com a divida pública....

...mas felizmente que há quem faça tudo para acabar com a dívida pública...veja-se só a campanha do Pingo Doce que afinal pode vender os produtos todos a metade do prêço....como aconteceu no dia 1 de Maio de 2012...

...mas o que mais me impressionou e que cada vez mais me leva a convencer que a divida pública mais cedo ou mais tarde há-de acabar ...foi a acção da populaça ( hoje dita de consumidores...) à porta ...e dentro das lojas...

Uma alegria pegada...

11:48 AM  
Anonymous Anônimo said...

A propósito do acima dito.....

Lembra-se caro Blogger...há tempos perguntava-se aqui no seu Blogg se sabia porque é que a estátua da liberdade à entrada de Nova Iorque estava de braço levantado...?

..ora ...porque não tem dôres nas costas....

11:50 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ora ...também a malta baixa a bola quando há prêços a boiar...e...

.... quanto a liberdade ....está entregue a quem pode fixar os prêços...

...repare que eu não falei em mercado...falei em fixar....

Bye...bye...que vou mas é comprar chocolates ao Pingo Doce...

11:53 AM  
Anonymous Anônimo said...

Olhe imagine que a rapaziada se lembra de baixar os prêços num dia de eleições para o Parlamento Europeu...lá se acaba a Europa...

...e lá vamos todos pró... mercado da Ribeira... tomar cacau ás quatro da manhã...

11:56 AM  
Anonymous Anônimo said...

É muito interessante ver a opinião dos sábios...aí pelos jornais...sobre esta coisa de um Super baixar os prêços em 50% num dia e voltar a subi-los em 100% no dia seguinte...

..Só cá no Puto....apanhando a malta que já nem sabe se anda cá neste Mundo ou se já faz parte dos mortos vivos....

...e quanto aos opinions...há sempre a esperança de apanharem um rabito de bacalhau...

12:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não tarda muito e ainda vamos assitir à magna questão nacional que é a de saber se o prêço do chouriço nos Super é o que está indicado na plaquinha junto ao mesmo ou o que é pago na caixa pelo dito...chouriço....

...e como a rapaziada gosta é de chouriço...siga a festa...!!!

12:06 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não percebo como há já quem endeuse o gozo de alguns com a fome de outros...quando estes correm atrás dos sacos de farinha...esquecendo-se de ir antes até ao Museu para apreciar a arte impressionista...

... mas o fenómeno da fome já está mais que estudado e podemos vê-lo todos os dias na TV quando anda por aí a filmar....por ÁFRICA...Oriente...etc...

...e quem goza assim não acha que devia levar um apertão...???...

....em vez de ufanar que afinal os consumidores estão-se borrifando para o Museu...??...e querem é MERCADO e ...alteração da Lei Laboral....??

12:15 PM  
Anonymous Anônimo said...

Estou-me borrifando prá dívida pública...

12:17 PM  
Anonymous Anônimo said...

Vi um comentário no sentido de que o 1.º de Maio é o dia do consumidor porque as pessoas trabalham para consumir...

E esta...??? ..este Fim de Semana vou estudar o assunto...e conforme o valor do PSI20....logo tirarei as minhas conclusões...

12:23 PM  

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