sábado, maio 23, 2020

OS “EMPECILHOS” CONTENTAM-SE COM POUCO

Os “empecilhos”, tal como o BE e o PCP foram tratados pelos mais altos responsáveis do PS, juntaram-se ao PSD-Madeira para a viabilização do Orçamento. Uma assunção política que acaba por credibilizar a argumentação ilusória do PS de que este “é um orçamento de continuidade” entendendo-se por isso como um orçamento que assenta a sua estratégia de desenvolvimento na “devolução de rendimentos” como motor do crescimento económico, isto é, fundamenta a sua estratégia na expansão e alargamento da Procura tal como se verificou em qualquer dos quatro orçamentos da anterior legislatura.  Só que, neste orçamento, não se vislumbra grande semelhança com os anteriores no que se refere à dimensão da “devolução de rendimentos”. Na verdade, o PS anuncia mesmo que dá por encerrada a devolução de rendimentos em vários discursos que ouvimos dos seus dirigentes nos últimos dias. Para afirmar-se com alguma legitimidade que o orçamento de 2020 é um orçamento de continuidade seria necessário que, por exemplo, nele constasse a devolução em IRS de 500 milhões de euros como quarta parte dos cerca de 2.000 milhões em falta (dos 3.200 milhões impostos em 2013 com que nos brindou Coelho/Portas no tal aumento colossal de impostos), deixando os restantes 1.500 milhões para uma devolução faseada ao longo da legislatura. Ou ainda a devolução do IVA da electricidade e gás, com uma redução, pelo menos, para uma taxa intermédia. E não colhe a argumentação das “alterações climáticas” agora usada por António Costa para a sua não redução quando mais de 50% da produção de electricidade é hoje de origem renovável.
A política de devolução de rendimentos como motor de crescimento parece ter dado lugar a uma política de estagnação de devolução de rendimentos. E a insignificante, não chega aos 30 milhões de euros, de desconto de IRS para os jovens no primeiro emprego não basta para atribuir a este orçamento a mesma natureza política que foi dada aos orçamentos anteriores. A viabilização do orçamento na generalidade por parte do BE e PCP terá como consequência retirar a estes partidos algum espaço de manobra política, uma vez que não será muito aceitável que depois desta viabilização do orçamento, tal como apresentado por António Costa e Centeno, venham agora a introduzir alterações na especialidade que desfigurem e comprometam o que anteriormente viabilizaram.  O PCP, mas sobretudo o BE, vêem-se assim obrigados a dançar ao som da música tocada por António Costa e a viabilizar um orçamento que ao ser de estagnação na devolução de rendimentos é um orçamento de uma natureza diferente e contrária aos orçamentos anteriores e, deste modo, de cariz pró-neoliberal e consequentemente pró-austeridade. Não tanto de uma natureza típica neoliberal ou muito menos ainda de uma natureza neoliberal radical como os de Coelho/Portas. Contudo, é um orçamento que está longe de constituir a “Alternativa” às políticas de austeridade neoliberais como aconteceu com os anteriores orçamentos da “geringonça”. Dadas as carências sociais e de rendimentos que a população sofre ainda, teimar por saldos orçamentais como meio de desenvolvimento e de redução da dívida pública constitui sem dúvida uma prática do cardápio neoliberal. A política social-democrata de “devolução de rendimentos” entende, ao contrário, que com a aplicação desse excedente orçamental na capacidade aquisitiva das famílias resultaria uma maior Procura e assim um maior crescimento económico, maior riqueza gerada e deste modo uma redução mais rápida e acentuada da dívida pública com melhoria das condições de vida da população. Foi o caminho seguido na anterior legislatura, a chamada Alternativa de que tanto se gabaram António Costa e o PS. Durante a discussão do orçamento na Assembleia da República não se ouviu da parte do governo ou dos deputados socialistas falar em “Alternativa” como antes era comum ouvir-se nos seus discursos. Antes falam e sem grande convicção “num bom orçamento” ou “no melhor orçamento dos últimos quatro anos” ainda que nem eles próprios estejam certos do que dizem. Ou então, para o governo e o PS, retirar ao orçamento a carga social-democrata que os anteriores continham constitua uma notável melhoria do orçamento de 2020. Deve ser isto.
14.01.2020