terça-feira, fevereiro 07, 2006

O Défice

Muito se tem falado ultimamente sobre a crise e o défice das contas públicas. Uma campanha ao que parece mais com intuitos de adoçar as medidas que o governo está a tomar do que esclarecer com serenidade e clareza as verdadeiras causas do défice orçamental. Os comentadores políticos, os economistas e políticos, repetem-se nos comentários generalistas sobre o défice. As causas atribuem-nas aos elevados e exagerados gastos com a função pública em salários, “progressões automáticas” e outras regalias que consideram injustificadas.
E ficam-se por aqui. Não se preocupam em analisar mais profundamente a questão. Aos olhos do cidadão comum, naturalmente, o funcionário público, o professor, o enfermeiro, o policia, o oficial de justiça , o funcionário administrativo de uma qualquer repartição pública ou qualquer outro funcionário, aparece assim como o responsável directo pela crise das finanças públicas.
A receita para a crise, servida com a mesma ligeireza com que são dadas as suas causas, só pode passar então por uma redução da massa salarial da função publica, congelando salários, congelando “progressões automáticas”, aumentando a idade da reforma, etc,etc.

Pelo respeito que qualquer cidadão deste País merece, pelo respeito que nos merecem os trabalhadores em geral e em particular os da função pública, exige-se um pouco mais de verdade, um pouco mais do conhecimento profundo desta crise e deste défice.
É do conhecimento público, que no período de 1995 a 2001, se registaram cerca de 120.000 ingressos na Função Pública. De 600.000 funcionários em 1995 chegou-se ao ano de 2001 com um efectivo total de 720.000. Um aumento de 20% portanto em número de funcionários, o que acarretaria em princípio, um aumento da massa salarial da Função Pública dos mesmos 20%. Só que, o salário médio destas novas entradas foi superior à média salarial dos restantes 600.000. A maioria destas aquisições destinaram-se sobretudo a preencher os quadros dos novos Institutos do Estado que então proliferaram como cogumelos.
Múltiplos serviços paralelos a serviços até então existentes na Função Publica, foram assim criados. Onde existia um director com um vencimento de 500 contos, passou a figurar um presidente, acompanhado de mais quatro ou cinco administradores, com salários superiores a 1500 contos cada, cartão de crédito, carro , motorista, e demais mordomias.
Instalados em edifícios modernos, com novos equipamentos, numa acumulação de despesas completamente irreflectida e sem sentido. Tudo somado, creio bem, que o custo total subiu a pelo menos 25% da massa salarial da Função Pública ou seja 3,75% do PIB.
O Défice Crónico Anual, herdado desde 2001, é portanto equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto.

Uma questão poderá colocar-se agora.
Será que, chegados a 2001, a Justiça, a Saúde, a Educação, a Segurança e todos os outros serviços prestados pelo Estado, melhoraram na mesma proporção de 25%? A resposta é inequivocamente não. Se não existiu uma maior degradação dos serviços, e muitos afirmarão que sim, seguramente que não se sentiram quaisquer melhorias.
Torna-se assim evidente, que a medida urgente, lógica e necessária a tomar, seria a extinção de todos os Institutos nascidos desde 1994, devolvendo à função pública todos os serviços neles prestados. Haveria seguramente o sacrifício de alguns, mas não será mais penoso fazer recair sobre todos, sobre a economia nacional, o custo destes Institutos absolutamente inúteis?

Mas será apenas má gestão, e os nossos governantes serão apenas incompetentes, ao promoverem a criação de Institutos tão ineficazes ?
Creio bem que não. Existe uma lógica de interesses na motivação da criação destes organismos e ela reside na necessidade de alimentar com cargos bem remunerados uma clientela partidária e familiar de uma classe política que de há longos anos detém o poder. É que já não bastam os lugares das empresas públicas. A lógica não é procurar gestores competentes e melhorar o funcionamento do Estado, mas tão só colocar camaradas, companheiros e amigos(estes cargos são todos de nomeação política) nos lugares bem remunerados. Acresce que estes Institutos, não estão sujeitos à apertada legislação jurídica de aquisição de bens e serviços ou empreitadas da função pública, o que abre assim caminho a uma total falta de transparência e a uma potencial corrupção na sua gestão.

Mas se os nossos sucessivos governantes, souberam tão bem engendrar um processo que lhes permite satisfazer tão principescamente as suas clientelas, porque razão não haveriam os políticos autarcas de usufruir dos mesmos "direitos"? Com a mesma lógica tem-se assistido nestes últimos anos à proliferação de empresas municipais. Esvaziando serviços municipais e criando serviços paralelos. Também aqui, com os administradores recrutados politicamente, com o mesmo despesismo, igual má gestão e a mesma inutilidade.
Urge de igual modo a extinção de todas estas empresas municipais.
Mas vejamos a questão de um outro ângulo. Se a todos estes administradores dos Institutos, das Empresas Municipais e Fundações, juntarmos os administradores e gestores das Empresas Públicas, com privilégios escandalosos antes e depois das suas curtas comissões de serviço, nós compreenderemos a extensão da grave crise que o País atravessa.
Dezenas de milhares de privilegiados, cujo número aumenta de ano para ano, têm vindo assim a esbanjar em benefício próprio, ao longo dos anos, a parca riqueza produzida pelos cidadãos deste País. Paralelamente à proliferação dos Institutos e Empresas Municipais uma outra situação se torna insustentável. Os privilégios particulares, as condições especiais, salariais e de reforma de políticos, gestores e administradores públicos, são inaceitáveis.
Como se compreende que Victor Constâncio,por exemplo,usufrua o dobro do vencimento que o seu homólogo Greenspan presidente da toda poderosa Reserva norte-americana(in Expresso, suplemento de economia de 25/06/05)?
A população portuguesa, que vem sofrendo pacientemente nos últimos anos com a chamada crise do défice, e que não é outra coisa senão o resultado da delapidação do erário público por uma vasta élite de poder, merece que lhe seja dita a verdade e que não continue a ser ludibriada por uma casta política egoísta e sem valores.
Governantes de boa fé, eliminariam em primeiro lugar todas as situações excepcionais e especiais relativas a salários e reformas de gestores de Empresas Publicas e outros órgãos do Estado, não permitindo os escandalosos vencimentos e reformas que hoje se praticam nem tão pouco as mordomias de que beneficiam. Só estes procedimentos, sem o peso deste monstruoso lastro do Défice Crónico Anual, levariam o País a sair da crise e à sua verdadeira emancipação e desenvolvimento.
Mas quem poderá acreditar que a nossa classe política abdique voluntariamente dos privilégios que tão bem soube erguer ao longo dos anos?

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Por que nao:)

7:32 AM  

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