quinta-feira, novembro 02, 2006

a pseudo reforma da Administração Central

No âmbito do PRACE, foram publicadas na última semana em Diário da Republica, as várias leis orgânicas dos vários ministérios. Já aqui afirmámos que esta “reforma” da Administração Central não vai contribuir para uma reestruturação efectiva dos serviços, não irá proporcionar uma redução de efectivos nem tão pouco irá alcançar uma maior eficácia da Administração ou sequer uma redução da Despesa Pública.

Bem pelo contrário, esta alteração das orgânicas dos ministérios, de que o governo se orgulha e a que chama reforma, segue a mesma lógica de alterações anteriores, ainda que de maior dimensão e por isso mesmo mais perniciosa, numa lógica de introduzir na Administração uma maior desarticulação ainda, uma maior irracionalidade e uma maior falta de equidade entre serviços, funcionários e dirigentes o que, tudo somado, acarretará forçosamente em maiores gastos e menor eficácia.

Por cada alteração introduzida, pelos sucessivos governos pós 25 de Abril, resultou sempre uma maior desarticulação e irracionalidade dos serviços da Administração Pública, uma maior despesa do seu funcionamento e uma perda de eficácia sempre crescente. Com mais pessoal e mais despesa a Justiça, a Saúde, a Educação, a Segurança, etc, estão piores do que há décadas. E isto não se deve aos funcionários da justiça, da saúde, da educação ou da segurança, tal deve-se ás sucessivas alterações promovidas pelos vários governos. A lógica foi sempre a mesma, criar novos órgãos paralelos aos já existentes, ou com novas atribuições de oportunidade mais que discutível, num único objectivo – proporcionar lugares para uma clientela partidária e pessoal.
Assistiu-se a uma desarticulação e desenquadramento da Função Pública, com a criação de inúmeros órgãos, cada um com as suas orgânicas, sem critério quanto ao número ou ao vencimento de funcionários, sem um peso comum a toda a função pública quanto à qualidade e esforço do exercício da função. A belo prazer de cada um dos ministros foram-se criando serviços completamente desarticulados entre si.

De uma Administração Pública constituída apenas por Direcções Gerais (hierarquicamente subdividida em direcções de serviço, divisões, repartições e secções) em 1974, passámos para uma Administração com uma infinidade de órgãos, criados ao longo dos anos - Conselhos, Comissões, Gabinetes, Inspecções, Auditorias, Serviços, Centros, Fundações. Agências, Autoridades, Fundos, Secretarias, etc e, por fim, Institutos, na mais completa irracionalidade e na maior desarticulação possíveis.

Pois bem, seria de esperar que uma reforma viesse por fim pôr cobro a tudo isto, introduzindo racionalidade e coerência na Administração Pública. Não é o que acontece com a pseudo reforma do PRACE. Aliás os Art,º 3 das leis orgânicas comuns a todos os ministérios são ilucidativas disso mesmo: “O Ministério…prossegue as suas atribuições através de serviços integrados na administração directa do Estado, de organismos integrados na administração indirecta do Estado, de órgãos consultivos, de entidades integradas no sector empresarial do Estado e de outra estruturas”.
Mantêm-se portanto todos aqueles órgãos denunciados atrás.

A criação de Institutos, sobretudo depois de 1995, veio dar maior corpo a esta lógica despesista e clientelar na administração pública. Extinguiram-se Direcções Gerais e substituíram-se por Institutos. Do pessoal das direcções extintas, uns poucos transitaram para os novos institutos, a maioria acomodou-se noutros serviços dispersos da administração. Os conhecimentos, o Know-how que possuíam foram desbaratados e desaproveitados, originando um grupo de funcionários desmotivados e descontentes sem produtividade capaz. Os custos de uma tal operação nunca foram motivo para recuo dos governos desta política. Os custos mais elevados da criação dos Institutos, não apenas os custos das suas novas instalações, mobiliário, equipamentos, etc, mas os próprios custos com os funcionários dos Institutos, nunca foram preocupação dos governantes Onde existia um Director passou a existir um presidente e três ou quatro vogais com vencimentos superiores. Por outra lado, e aqui cai a cereja no bolo, os Institutos podem contratar pessoal sem vínculo à função pública. Abriu-se assim caminho ao compadrio, ao maior clientelismo e à mais completa politização da Administração Pública.
O PRACE está possuído desta lógica. Extingue alguns organismos mas cria outros, seguindo a mesma prática dos anteriores governos. Damos como exemplo o caso da Direcção Geral de Viação (DGV) que vai ser extinta mas substituída por dois Institutos e uma Autoridade. O Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres, o Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias e a Autoridade de Segurança Rodoviária. Haverá seguramente mais uns boys, que, sem concurso e sabe-se lá com que habilitações, entrarão para estes Institutos, ao mesmo tempo que funcionários de carreira com know-how, habilitações e concursos serão enviados, por critérios que só o ministro conhece, para o quadro de excedentários.
Só um louco ou idiota poderá acreditar que tal pratica não acarretará numa maior desarticulação e irracionalidade da Administração, ou na sua maior despesa e ineficácia.
Será que a criação de Institutos depois de 1995, que originou um acréscimo de funcionários na ordem dos 120.000 e uma despesa acrescida da ordem dos 25% (3,75% do PIB), contribuiu para a melhoria da Justiça, Educação, Saúde, Segurança, etc, na mesma ordem de grandeza? Seguramente que não. A aplicação do PRACE acarretará mais despesa e ineficácia na Administração Pública.
Aliás, a não extinção pelo PRACE dos 18 governadores civis (recomendada recentemente por uma comissão nomeada pelo próprio governo) acaba por demonstrar a não motivação do governo em pretender alterar e inverter a lógica mantida pelos anteriores governos. Reza assim o Art.º14 “Os governadores constituem as estruturas de suporte logístico e administrativo e a sede do exercício das competências dos governadores civis, designadamente, as de assegurar, a nível local, a representação desconcentrada do Governo, a coordenação na respectiva área, das forças e serviços de segurança e de protecção civil, e a articulação dos serviços da administração central actuantes na sua área de responsabilidade”. O Diário do Governo dos tempos de Marcelo Caetano não diria muito diferente. Os governadores civis são estruturas herdadas do Salazarismo que à época se mostravam necessárias ao poder pelo forte controlo político que exerciam sobre as populações. Com ligações directas à PIDE e às polícias eram órgãos locais executivos da “ordem e da paz pública”. Deveriam ser extintas logo após o 25 de Abril, residindo a razão da sua sobrevivência apenas nos apetecíveis lugares bem pagos que elas comportam e que alimentam as clientelas partidárias. Seriam, por exemplo, substituídas por Lojas do Cidadão que tanta falta fazem. Mas não é esse o caminho por que segue este governo. Trilha os caminhos dos anteriores, para desgraça do País e de todos nós.


8 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Não percebo porque é que o Governo em vez de Governadores não instituiu o almoxarifado ou mesmo o alcaide-mor!

Ou então meros centros de compras para assegurar o dito apoio logístico , isto está claro, admitindo por outro lado que não estaremos a pensar em armazéns de construção civil, pois nessa altura estariamos perante órgãos de economato ou mesmo pequenos núcleos de apoio e fornecimento de materiais ligeiros ( lápis...borrachas....papel de fotocópia ...requisições para combustíveis inertes e em sem serem inertes...enfim uma quantidade de coisas interessantes!
Viva o PRACE!

12:50 AM  
Blogger Antonio Almeida Felizes said...

Caro Rui,

Concordo com alguma coisa do que diz especialmente no que toca à evolução da Administração Pública.
Todavia quando fala do PRACE, não posso estar de acordo. Senão vejamos - das quinhentas e dezoito estruturas actualmente existentes, são extintas mais de duzentas e criadas sessenta, ficando a Administração central com menos cento e oitenta e sete estruturas do que actualmente.

Com esta reforma pretendem-se alcançar 2 objectivos principais:

- Diminuir a despesa pública
- Reduzir o caos orgânico vigente, sobretudo na administração desconcentrada e indirecta do Estado.

Agora, no que toca aos governadores civis, o meu amigo deveria saber que esta é uma matéria do foro constitucional. Ora isto quer dizer, que qualquer modificação a este estatuto, terá necessariamente que passar por uma revisão constitucional.

Cumprimentos,

O ... Regionalização

4:23 PM  
Anonymous Anônimo said...

Caro Ruy,

Em primeiro lugar agradeço a visita e os comentários na Gazeta Lusitana.
Em relação ao PRACE, concordo com a maior parte do que lá está. E quanto à questão da fusão e extinção de organismos, não passa de propaganda. Os serviços podem ser extintos, mas as suas competências são integradas noutros, com o respectivo staff. Por vezes até são dividas as competências do defunto por diversos outros serviços, o que só trará mais confusão e burocracia no futuro.
Também é muito interessante a suposta diminuição de Directores Gerais, só resta saber, quando agora vierem as micro estruturas, quantos serão equiparados a Dir Gerais, nomeadamente para efeitos remuneratórios. Estou curioso...

Um abraço.

RMG

5:13 PM  
Blogger Carlos Sério said...

Caro Almeida Felizes, creio bem que não são extintas mais de duzentas e tal estrururas mas apenas 187.O número das que são criadas é menor, mas tal não significa que a despesa venha a ser menor.
A 31 de março, escrevi aqui:
Na realidade, a extinção de 187 organismos, não significa que as funções neles exercidas sejam extintas.
O que a Macroestrutura que veio a público nos diz, é que aqueles organismos se concentram, se juntam a outros e que em sua esmagadora maioria não haverá qualquer extinção de funções.
Vejamos alguns exemplos: Na Macroestrura da Presidência do Conselho de Ministros agora apresentada, onde existiam 2 unidades, o Instituto Português da Juventude e o Conselho Superior da Juventude, pela sua fusão, passa a existir apenas o Instituto Português da Juventude. Isto é, extingue-se a unidade mas não as suas funções. No Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde existiam 3 unidades, Direcção Geral de Política Externa, Comissão Interministerial de Política Externa e Comissão Nacional da Unesco passa a existir apenas uma, a Direcção Geral de Política Externa, englobando os serviços e funcionalidades extintos. No Ministério de Defesa Nacional, onde existiam 2 unidades, a Direcção Geral de Infraestruturas e Direcção Geral de Armamento e Equipamento de Defesa, passa a existir apenas a Direcção Geral de Equipamento e Infraestruturas de Defesa. No Ministério da Cultura, onde existiam o Conselho Nacional de Cultura, Conselho Nacional de Direito de Autor, Conselho Superior de Bibliotecas, Conselho Superior de Arquivos e Conselho Superior de Museus, passa a existir apenas o Conselho Nacional de Cultura. Aqui, de 5 estruturas passou-se para 1. E assim por diante.

São criados por outro lado, dois novos organismos em cada ministério, aqui sim com um aumento efectivo de funcionários, o Controlador Financeiro e o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais.

Em resumo:
1- A reestruturação apresentada, não é mais do que a reorganização interna dos serviços da Administração Central.
2- O sentido que lhe é dado foi a concentração de Serviços.
3- A sua lógica não está dirigida para o exterior mas sim para o seu interior. Não se poderá afirmar que esta reorganização de serviços favorece o “cliente”, o cidadão comum, nos seus contactos com a Administração.
4- Está longe de se provar que esta reorganização de Serviços acarrete uma maior eficácia e ganhos de produtividade e que se manifeste positiva a concentração de serviços nela enunciada.
5- Poder-se-á concluir que a Reforma da Administração Pública continua por fazer, e que esta reorganização de serviços se limita a mudar de “visual”a Administração, sem uma efectiva Reformulação dos Serviços e Funcionalidades do Estado.

Creio que a despesa vai aumentar com o PRACE e que o caos irá aumentar pela desarticulação das Direcções Gerais e com a criação de novos organismos e institutos pelas razões que já apontei no pos.

Não quero deixar de agradecer-lhe os comentários que fez, uma vez que mesmo em desacordo nalguns pontos contribuições como as que fez são sempre desejáveis.

5:58 PM  
Blogger Carlos Sério said...

rmg, não tem nada que agradecer. Eu é que lhe peço desculpa por só agora introduzir a linkagem do seu site no blog.

6:01 PM  
Anonymous Anônimo said...

Estou de acordo com RUI.
Para grande objectivo de Governo é curta a reorganização anunciada: qualquer gabinete de organização faz isto.
Gostava de ver era...por exº acabar com as bibilotecas!?
Ou por já não haver guerra ...acabar com o exército!?
Ou com a polícia...que agora quase é obrigada a pedir desculpa aos malfeitores !?
E porquê tanto município!?

E impostos? Não acabou nenhum !

E quanto a política externa ?

Vamos para os PALOPs? ou viramo-nos para norte?
Ou fazemos o que a NATO e a UE dizem ? E quanto a embaixadores são muitos ou poucos?
E como estamos de finanças e autonomias regionais?
E quanto a objectivos do ensino ?

Não não me refiro a professores. O que queremos ensinar?
Temos alma?
E registo predial é necessário?
E o que pensamos do Banco Central europeu ? E da moeda? Olhe e quanto a partidos? Isto serve?
Meia dúzia de pessoas podem indicar os futuros governantes? E estes são indicados por aqueles?
E que pensar dos baldios? E das coimas municipais? E os municípios servem para distribuição de água e luz? E quanto a Hospitais? Tarefeiros nas urgências, como lemos , infelizmente em recente notícia? Não há médicos! Estão a ser formados nas nossas escolas?
E televisão ? Só três? Não será pouco ? E futebol? Só por cabo ?
E quanto a desporto? Nada ? Ou o mesmo do mesmo?

Pis é quanto a isto e tudo o mais nada, tudo na mesma. Bem tudo talvez não .Pode ser que mude o casamento....e o aborto como em Espanha

Caro RUI a gente bem se esforça!
Um abraço

12:22 AM  
Anonymous Anônimo said...

Caro Ruy

Concordo com muito do que diz, ainda que quanto às críticas ao PRACE, do qual não sou defensor, não esteja muito de acordo.

Mas a maior crítica que lhe faço diz respeito ao período de referência que considera, 1974:

«De uma Administração Pública constituída apenas por Direcções Gerais (hierarquicamente subdividida em direcções de serviço, divisões, repartições e secções) em 1974, passámos para uma Administração com uma infinidade de órgãos, criados ao longo dos anos - Conselhos, Comissões, Gabinetes, Inspecções, Auditorias, Serviços, Centros, Fundações. Agências, Autoridades, Fundos, Secretarias, etc e, por fim, Institutos, na mais completa irracionalidade e na maior desarticulação possíveis.»

Em trinta anos muito mudou, compare o mundo, as exigências dos cidadãos, a evolução das tecnologias, a integração europeia, etc.

Por exemplo, faz ideia de quantas reuniões diárias se realizam em Bruxelas nos mais diversos domínios?

Pegue num organigrama de uma grande direcção-geral e verifique quantos serviços não seriam necessários em 1974.

Compare as xigências dos cidadãos em 1974 com as de hoje faça as contas a quantos funcionários poderia reduzir. Faça esse exercício, por exemplo, na saúde ou no ensino.

Tenho muitas dúvidas quanto ao PRACE, quer pela forma como foi desenvolido, e ainda mais quanto aos seus pressupostos.

1:08 AM  
Blogger Carlos Sério said...

Caro “ojumento”, não posso deixar de concordar consigo quando afirma que alguma coisa mudou depois do 25 de Abril. De 1974. Não quanto ao número de habitantes, que esse continuam a ser semelhante, mas sobretudo quanto às suas necessidades.
Temos sem dúvida mais professores na Educação e mais médicos na Saúde. Mas, como deverá ter reparado, a minha crítica incide essencialmente sobre a explosão de serviços paralelos do Estado nascidos a partir sobretudo de 1995 e de que resultou um aumento efectivo de 120.000 funcionários e uma despesa da massa salarial da função pública que saltou de 11% para 14% do PIB, como no “classepolitica” já foi apontado em 7 de Fevereiro do corrente ano. (Eduardo Catroga, terá sido o primeiro economista da nossa praça a exprimir tal opinião, em depoimento ao semanário económico do último sábado), Não creio, que nestes novos 120.000 funcionários, constem mais médicos ou mais professores.
Insisto, será que ao aumento da despesa na ordem dos 25% (despesas com salários mais despesas com novos equipamentos materiais correntes), correspondeu uma melhoria da prestação do serviço público na mesma ordem de grandeza? Seguramente que não.
É certo que a entrada do País na CEE, veio exigir novos serviços. Mas porque não criar uma Direcção Geral de Assuntos Comunitários, com duas ou mais direcções de serviços, onde se trataria da adaptação da legislação às normas europeias ou ao acompanhamento e ligação aos ministérios dos vários tratados assumidos pela CEE?
A questão reside em última análise, no facto dos sucessivos ministros dos sucessivos governos, criarem serviços paralelos aos já existentes, esvaziando funções sem qualquer preocupação de natureza financeira. Os custos da manutenção do pessoal agora emprateleirado e sem trabalho, de nada preocupou os governantes.
Uma tal conduta explica-se por três ordens de razões principais. Primeiro, porque o ministro ou o director geral por si nomeado, se poupava ao incómodo de despachar com gente estranha, com os directores de serviços. Segundo, porque se lhes oferecia a oportunidade de substituir tais dirigentes, por gente da sua clientela partidária e pessoal numa nova estrutura. Terceiro, porque se livrava do apertado controlo jurídico quanto às aquisições de serviços, fornecimentos e empreitadas públicas.
O PRACE não belisca sequer qualquer destas situações, muito pelo contrário, agrava todas elas.

7:12 PM  

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