O "não pagamento"
Porque os países na situação de Portugal deveriam decidir-se pelo “não pagamento” das suas dívidas.
Enfrentando uma situação financeira cada vez mais delicada, Portugal começou a negociar um pacote de resgate com a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Segue assim os passos da Grécia e da Irlanda, dos países cujo resgate demonstrou ser ineficaz. Contudo, poucos se atrevem a defender uma opção de política mais efectiva nos três casos: o não pagamento gerido da dívida soberana.
Esse não pagamento permitiria aos governos grego, irlandês e português fazer retroceder as obrigações da sua dívida acumulada, baixando as taxas de juro, retardando o reembolso e, se fosse necessário, devolvendo só parte do capital em dívida. Como no caso da quebra de um particular – que permite que os particulares sobre endividados renegoceiem as condições de reembolso – o não pagamento soberano permite aos países escalonar as suas actuais dívidas de acordo com as suas futuras expectativas orçamentais. O resgate, pelo contrário, dá prioridade às entidades de crédito ao proceder a um reembolso completo e ao cingir-se às taxas de juro e ao calendário de devolução acordados inicialmente, obrigam os governos a ajustar os futuros rendimentos ao peso da dívida acumulada.
Os defensores do resgate seguem apregoando as suas supostas virtudes. Ao obrigar os governos com problemas a mudar a sua política económica, irá fomentar supostamente o crescimento e impedir novas crises de dívida. Ao fazer recair os custos sobre os países resgatados, fortalece supostamente a sua disciplina fiscal. Por último, ao impedir um não pagamento soberano por parte de um membro da eurozona, estabiliza supostamente os mercados de dívida e de divisas.
Num exame mais detalhado, não obstante, não se materializa nenhum destes supostos benefícios. Nem na Grécia nem na Irlanda o resgate estabilizou os mercados nem animou o crescimento económico nem inspirou uma mudança de ânimo no que respeita aos créditos. O que sugerem estes casos é que, com a camisa de forças da união monetária, o coktail do resgate não funciona. Exige estritas medidas fiscais que desanimam o crescimento económico e tornam impossível rebaixar a relação entre a dívida e o PIB.
Pelo contrário, os resgates condicionais impostos à Grécia, Irlanda e agora a Portugal, conduzem a um insidioso círculo de cortes na despesa e aumentos de impostos, instabilidade social e turbulências políticas. Estes países podem esperar tormentos sociais e económicos, que colocarão em perigo a sua situação política e facilitarão um impulso favorável ao populismo. Estará a Europa preparada para permitir que uns quantos dos seus estados membros caiam numa prolongada estagnação económica, que produza mal-estar social enquanto reforça os partidos marginais que capitalizam o descontentamento e minam os processos democráticos?
Uma dívida administrada poderia trazer três vantagens: permitiria que os países com problemas iniciassem a sua recuperação económica. A imediata redução da dívida daria espaço às reformas orientadas ao crescimento com resultados visíveis a curto prazo. O não pagamento poderia poupar a Europa a uma década de incipiente crescimento económico, lastrado pela dívida na periferia.
Além disso o não pagamento soberano enviaria aos mercados um sinal firme do compromisso da UE de limitar o risco moral. Ao substituir alguns dos custos da crise da divida, o não pagamento disciplinaria as entidades de empréstimo que forneceram continuamente o crédito barato na expectativa de que, se necessário, um resgate da UE ou do FMI serviria de garantia ao seu capital. Enquanto um resgate supostamente disciplina o lado da procura dos mercados creditícios, o não pagamento disciplina de forma efectiva tanto a procura como a oferta, produzindo um efeito estabilizador a longo prazo. A reestruturação da dívida clarificaria além disso as tensões subjacentes da eurozona ao eliminar pressões especulativas e ao obrigar a políticas fiscais mais coerentes.
O que é mais importante, um não pagamento estruturado do crédito limitaria os riscos políticos ligados à opção do resgate. Sufocaria o auge das tendências populistas nos países com problemas como reacção às medidas de resgate punitivas. Também limitaria os danos na coesão europeia causados pela percepção – exacta o não – de que a UE está obrigando à adopção de soluções injustas e assimétricas aos países receptores.
Na verdade, a reestruturação da dívida deveria desenhar-se cuidadosamente, com uma combinação bem considerada de restrições às entidades de crédito, alargamento do tempo de vencimento dos empréstimos e diminuição das taxas de juro. Um não pagamento ideal poderia incluso – coordenado à escala da UE – estimular os mercados creditícios. Os bancos alemães, franceses (e no caso português, espanhóis) são os principais credores dos governos saturados de dívidas e assumiriam a pior parcela de um não pagamento conjunto. Outros países poderiam ser testemunhas de um pico das taxas de juro, o que exigiria compromissos europeus adicionais.
Pretender que a opção do não pagamento não existe, é violar princípios económicos fundamentais que acabarão por anular qualquer preferência política. Para evitar uma década perdida, Grécia, Irlanda e Portugal deveriam forçar a Europa a discutir a reestruturação da dívida. França, Alemanha, Itália e Espanha pela sua parte, fariam bem em dar-lhes ouvidos. Tal como escreveu o economista Irving Fisher num artigo sobre a dívida durante a Grande Depressão, assumir que em condições socioeconómicas atrozes se saldarão todas as dívidas é tão absurdo como supor “que o Oceano Atlântico pode mover-se sem levantar uma só onda”.
Nuno Monteiro es profesor ayudante de ciencia política en la Universidad de Yale, donde enseña teoría de relaciones internacionales, estudios de seguridad y fundamentos filosóficos del estudio de la política, temas sobre los que escribe en su bitácora digital www.nunomonteiro.org. Eduardo Sousa es analista y gestor del Banco Santander Totta de Portugal. Los puntos de vista aquí manifestados no reflejan necesariamente los de sus patrones.
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3 Comments:
É uma opção perigosa que só poderia ter sucesso com a união de esforços de mais países, neste caso da Grécia e da Irlanda. A Islândia também bateu o pé ao FMI e decidiu não assumir as dívidas dos seus bancos, pelo menos por agora, e já conseguiu ter crescimento económico, o que os faz encarar o futuro com outro ânimo, e os credores parecem decididos a esperar mais um pouco pelos seus créditos.
Abraço do Zé
Também acho que devíamos dar um sinal forte aos mercados de que isto aqui não é o da Joana...e antes de abrirem...pela manhã pensariam um bocadinho no juro a praticar...
...um País não é própriamente uma mesa de roleta....
Mas com políticos da penica...e de bolsos tesos...o que é que havemos de esperar...???
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