A queda do governo de Sócrates e o cinismo neoliberal em Portugal
O blairista José Sócrates, que liderou o Governo português nos últimos 6 anos, dimitido na quarta-feira, día 23, ante o chumbo parlamentar do seu (irónicamente chamado) 4º Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), a mais recente peça de uma catastrófica política de ajuste orçamental imposta às políticas públicas, seguindo a mais estricta normativa neoliberal. O pretexto parece ter sido, além do mais, criado pelo proprio Governo para forçar a oposição a provocar a sua propria queda. Depois de levar meses a chantagear as forças sociais e políticos com que haviam de aceitar toda a série de medidas da brutal austeridade, ameaçando a opinião pública com o espantalho da intervenção do FMI e dos casos irlandês e grego, tudo aponta a que, considerando uma inevitabilidade o recurso ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira, associado ao FMI, Sócrates tenha escolhido abandonar o governo para não ter que ser ele que pessoalmente o solicite, acusando os partidos da oposição de irresponsabilidade ante a iminência da catástrofe... São a maioria os que crêem que Sócrates criou deliberadamente uma situação inadmissível à oposição, ao apresentar-se em Bruxelas con um novo programa de ajuste – o PEC IV – sem tê-lo negociado, nem sequer anunciado, com o Parlamento, a Presidência da República ou com os sindicatos e o patronato, comprometendo o Estado português perante o BCE e a Comissão Europeia.
O Governo, e em especial o ministro das Finanças, especializaram-se num irrealismo deliberado nos seus exercícios de previsão económica, empenhados em transformar toda a política orçamental em pura propaganda. En 2009, ano em que se realizaram as últimas eleições legislativas, enquanto socialistas e a dereita prometiam ou exigiam transparência nas contas públicas, o Governo, com a conivência do ex-governador do Banco de Portugal (Víctor Constâncio, hoje vice-governador do Banco Central Europeu), estabelecia 2,2% como previsão oficial do déficite público no Orçamento aprovado no ano anterior; em Maio, os dados indicavan 5,9%; em Dezembro, dois meses despois das eleições, o Governo já previa que havia subido a 8,5%; a avaliação final fixou-o em 9,3%! O que se vem fazendo com as previsões de crescimento económico é de tal monta que se assemelha a puro voluntarismo e nos permite falar de exercícios de macroeconomía criativa, desenhados para permitir reivindicar pequenos triunfos da política governamental, para logo, em cada momento em que a situação piora, responsabilizar o mercado internacional a cujos objectivos políticos se lhe concede prácticamente tudo. Em semelhante quadro, não pode surpreender que nenhuma medida, que nenhum PEC, seja suficiente, porque cada um agrava a situação socioeconómica já agravada pelo anterior e reduz a posibilidade do Estado português pagar a dívida que está contraindo a niveis astronómicos junto dos especuladores internacionais!
O cinismo é, uma vez mais, neste campo, difícilmente superavel. En 2005, quando Sócrates subiu ao poder, 25,3% do PIB português, segundo Eurostat, representava a despesa em proteção social, 2,4% inferior à média do conjunto da Eurozona; em 2009, depois do agravamento muito evidente da recessão económica e do desemprego, essa percentagem baixou para 21,9%, e no primeiro dos quatro PEC previa-se reduzi-la em 0,5% em finais de 2010. Os Orçamentos que os socialistas aprovaram, sós ou com a direita, ao longo dos últimos seis anos, impuseram todos os anos a redução dos gastos com o desemprego e o Rendimento Social de Inserção concebido para aqueles individuos com rendimento mensal total inferior a 189 Euros. Se somamos a um dos piores níveis de endividamento privado da UE à precarização generalizada do emprego, ao nivel salarial médio mais baixo da Europa Ocidental e à mais alta taxa de pobreza do continente, podemos dar-nos conta do que significa a política deliberadamente assumida por um partido como o Socialista que, pese nunca ter tido as raízes operárias históricas da maioría da socialdemocracia europeia, segue acolhendo o receoso apoio de uma parte muito substancial dos assalariados portugueses, sobretudo no desreguladíssimo sector dos serviços, que esperava do PS em 2005 e 2009 o contrário do que lhe saíu...
Componente essencial das políticas sociais, os serviços e as empresas públicas estão, mais que nunca, ameaçados por uma nova onda de privatizações. Aquí, como anteriormente, o PS e a direita limitam-se a competir entre eles pelo maior número de propostas de privatização. Os PEC do governo socialista prevêm a privatização das companhías aérea (TAP), ferroviária (CP) e aeroportuária (ANA), do que resta de público nas eléctricas (EDP y REN), dos Metros de Lisboa e Porto, da seguradora do grupo financeiro público da CGD; o PSD acrescenta a privatização do resto da banca pública (CGD, que segue concentrando 45% dos depósitos bancários) e a televisão do Estado (RTP)...
Marcadores: PEC, politicas neoliberais
1 Comments:
Andam por aí umas agências de avaliação de ratings...que já mandaram umas empresas cá do Burgo pró lixo...e....
.....quanto aos bancos alguns já lá estão e outros estão a caminho....
..Ora por cá .... nós que temos uma Instituição que tem que se pronunciar sobre a capacidade dos ditos ..bancos....o que é que terá a dizer sobre estas agências avaliadores e suas conclusões sobre lixo...?
ou será que não diz nada tal é a lixaria...e a poeirada...
..e os ditos continuam de porta aberta..??
..e eu que ponho lá quinze euros todos os meses...tenho garantia de reembolso....??! ...e posso dormir descansado...??...ou ainda me mandam ao caixote ....??
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