As implicações incómodas do pleito argentino
Em 2003, quando começou o ciclo Kirchner, a Argentina era uma espécie de Grécia da América do Sul. Desacreditada aos olhos de seu próprio povo, balançava como um 'joão bobo' nas mãos do capital especulativo interno e externo. Nestor Kirchner herdou uma taxa de pobreza produzida pelo extremismo neoliberal que afetava 60% dos 37 milhões de argentinos.
A dívida de US$ 145 bilhões, impagável, corroía seu sistema financeiro. Fruto mais do desespero do que de uma estratégia, a moratória de 2001 colapsava os mecanismos de crédito e financiamento, sem os quais nenhuma economia funciona. Os credores sobrevoavam a nação argentina à espera do melhor momento para arrancar os seus olhos. E o que lhe restasse ainda da carne. O cerco contra o país era brutal.
A mídia, aliada dos interesses plutocráticos locais e forâneos, interditava o debate de qualquer alternativa fora da rendição. Poucos listavam-se entre os aliados.
Mesmo no Brasil, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, impunha distância sanitária entre Kirchner e Lula, em sintonia com a pressão internacional. Para se ter a dimensão do cerco vivido então pela Casa Rosada, basta conferir o que a liderança do euro, os banqueiros e o FMI fazem hoje com Atenas e Papandreu.
A diferença é que Nestor Kirchner não se dobrou: impôs um desconto de 70% da dívida aos credores; destinou a receita crescente a programas sociais e de fomento. A taxa de pobreza recuou a 10% da população. A economia argentina foi a que mais cresceu no hemisfério ocidental na última década. As circunstâncias desse braço de ferro são espertamente omitidas pela crítica conservadora, que hoje desdenha da vitória esmagadora de Cristina, atribuindo-a a um fogo fátuo feito de populismo insustentável, inflação maquiada e boom passageiro de commodities.
Mark Weisbrot , do CEPR, critica a frivolidade desse enfoque. No fundo, sugere, trata-se de uma auto-defesa conservadora contra as implicações políticas do sucesso argentino, face à catastrófica safra de desastres colhidos na Grécia, Espanha, Portugal e outros, ora submetidos ao purgante ortodoxo que Nestor, Cristina e seus eleitores desmoralizaram.
Postado por Saul Leblon, no cartamaior
(Cristina Kirchner, ganhou as eleições presidenciais argentinas no último domingo com a maior percentagem desde 1983)
Marcadores: eleições argentinas
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