sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Estamos a viver um golpe de estado (1)


(1) Os objectivos da Troika e do governo PSD/CDS
Aguardava-se, e na verdade tal está a verificar-se, que à medida que se aproximasse o termo do memorando da Troika, as forças que apoiaram a sua intervenção, nacionais e estrangeiras, nacionais - o PSD, CDS e o governo e estrangeiras - o BCE, o FMI e a Comissão Europeia, sim, dado que o PS se viu forçado a assinar o memorando mas não o terá desejado (recorde-se as tentativas de Sócrates, através dos sucessivos PECs, para o evitar) enquanto o PSD e o CDS não só o assinaram como o desejaram, dele fazendo até o seu próprio programa de governo.  

A direita neoliberal portuguesa compreendeu bem, no que se traduzia o memorando e quais os seus os objectivos últimos. Cedo se apercebeu que o plano de ajustamento da Troika perseguia uma mudança estrutural do modelo social existente em Portugal desde o 25 de Abril de 1974. E, apostou em aproveitar a oportunidade histórica que lhe caía nos braços, mostrando-se desde logo mais troikista que a própria troika (em 2012 enquanto o memorando da Troika exigia medidas de consolidação orçamental no valor de 5.073 milhões de euros, o Governo decidiu agravá-las para um valor de 9.042,3 milhões), pensando que uma aplicação de shock, “custe o que custar” e o mais rapidamente possível, poderia tornar mais difícil a irreversibilidade dos seus, desde há muito sonhados planos. Lembremo-nos das palavras de Passos Coelho, que não poderiam ser mais claras, logo no início do seu mandato - "independente daquilo que foi acordado com a UE e o FMI, Portugal tem uma agenda de transformação económica e social. Nesse sentido, o Governo incluiu no seu programa não apenas as orientações que estavam incorporadas no memorando de entendimento como várias outras que, não estando lá, são essenciais para o sucesso desta transformação do país”.
Mas que mudança estrutural, que novo modelo económico e social pretende a direita portuguesa? Deseja um novo modelo económico e social, uma transformação social com a destruição do estado social, com a diminuição permanente dos salários e das pensões, com a degradação e encarecimento das funções sociais do Estado, com a delapidação do património do Estado. Tudo isto, por um único objectivo - a transferência de rendimentos da classe média e dos trabalhadores para a uma nova classe, detentora do capital financeiro, constituída pelos banqueiros, grandes empresários e gestores das grandes empresas. Numa nova divisão da riqueza gerada no país agora completamente favorável ao capital financeiro e às grandes empresas (financeiras, industriais e de Serviços) que se apropriam deste modo dos recursos financeiros até aqui destinados às funções sociais do Estado.
Na verdade, a “construção” das condições mais favoráveis e indispensáveis para gerar a oportunidade para a concretização deste plano, configura-se como um verdadeiro golpe de estado. Começou com a vertiginosa subida dos juros da dívida portuguesa nos mercados financeiros, fomentada pelas empresas de Ratting e fomentada também pela posição de inacção, de deserção, de abandono consciente do BCE, deixando os países à sua sorte e indefesos perante a voracidade dos mercados financeiros. Enquanto o BCE, socorria a banca europeia, cedendo-lhe 529.531 milhões em Dezembro de 2011 e mais 489.200 milhões em Fevereiro de 2012 (quase o triplo dos financiamentos somados dos países intervencionados, Grécia, Portugal e Irlanda), a juros inferiores a 1%, exigia aos países intervencionados juros de 3 a 4% a troco de elevadíssimos custos sociais. Com o corte do financiamento, provocado pelos mercados financeiros, o país viu-se forçado a aceitar as imposições da Troika, que além dos objectivos políticos de transformação do modelo social visavam também, e num primeiro momento foi este o seu principal objectivo, proporcionar meios financeiros de modo a que o país continuasse a pagar os juros e vencimentos da sua dívida aos banco alemães, franceses à Banca europeia, então com um avultado pacote de dívida pública portuguesa. Bancos que se encontravam em grandes dificuldades financeiras. Aquilo que foi “vendido” aos portugueses como sendo uma “ajuda” financeira da Troika ao país, foi antes e sobretudo uma ajuda à Banca europeia. Alias, o economista assessor de Angêla Merkel, Jürgen Donges, reconheceu-o claramente durante um debate no Parlamento alemão.

Com o financiamento assegurado pela Troika, a Banca europeia tratou rapidamente de se desfazer dos títulos de dívida portuguesa, conservando hoje, uma pequeníssima parcela face à que detinham antes da intervenção. “Os credores privados internacionais terão passado de uma situação, em 2008, em que detinham 75% da dívida portuguesa, para uma outra, em 2014, em que deterão apenas 20%”. Os credores actuais da dívida portuguesa são a Troika (FMI, BCE e UE) com cerca de 45%, a banca portuguesa com 35% e os credores estrangeiros com 20% sendo que apenas 2% da dívida de curto prazo é detida por bancos não residentes.
Na realidade, com a intervenção da Troika deu-se uma mudança de credores. A Banca europeia viu-se livre da dívida portuguesa passando os riscos para a Troika que, ao contrário da Banca, possui armas capazes de forçar Portugal ao cumprimento da sua dívida, através das políticas de austeridade e de uma vigilância constante sobre as suas politicas económicas e orçamentais.
As politicas impostas pela Troika a Portugal não visam outra coisa senão garantir o pagamento da dívida aos credores internacionais e, por acréscimo, provocar uma mudança do modelo social e económico do país.