Isentar o capital, taxar o trabalho
Neste mundo globalizado a que nos conduziram, neste mundo de circulação livre de capitais e produtos, constituem as dívidas acumulados de cada país, ao que nos afirmam, a maior ameaça à estabilidade económica, financeira e social das sociedades.
Depois da “crise” financeira exportada dos EEUU e provocada pela “engenharia financeira” que em cascata exportou para todo o mundo os chamados “produtos tóxicos” e provocou profundas e brutais perdas nas instituições financeiras, os governos prestaram-se de imediato a “salvar” os bancos acorrendo com vultuosas injecções de capital. Para obter este capital os países recorreram a empréstimos nos “mercados” aumentando fortemente e muito rapidamente as suas dívidas públicas.
Ao mesmo tempo, os “mercados”, o mesmo é dizer as oligarquias financeiras internacionais, compreenderam de imediato a oportunidade que o momento lhes oferecia. Usando as empresas de rating, criadas por si e para seu benefício, aumentaram nos “mercados” os juros dos títulos da Dívida Públicas para assim obterem rapidamente maiores rendimentos. Por sua vez, o FMI, o BCE e a CE (no caso europeu), seus aliados e mandatários, prestaram-se a garantir aos países em maiores dificuldades os pagamentos dos seus juros e empréstimos da dívida através de resgates com condições de austeridade draconianas para os seus povos.
As dívidas públicas dos países são assim usadas pelas oligarquias financeiras, através dos seus comissários e comités políticos (FMI, BCE, CE), para transferir rendimentos dos assalariados de cada país para elas próprias. Com cortes nos salários, pensões e funções sociais do Estado, assistimos presentemente a uma regressão social jamais presenciada na História. Uma regressão social não provocada por guerras ou catástrofes naturais.
E, com um cinismo cruel, apresentam este futuro dramático como uma inevitabilidade histórica, pretendendo convencer os cidadãos de que as “culpas” são deles próprios ao “viverem acima das suas possibilidades”. E o cidadão, atónito, perplexo, confuso, enclausurado numa mistificação e propaganda tão intensa, parece tolhido na sua capacidade de reacção.
Haverá que desmistificar esta grande trapaça.
Desde logo, haverá que salientar a evidência - de que para existir devedores terão que existir credores. É uma evidência que contudo parece ser esquecida no caso das dívidas soberanas. Na verdade, se os países não possuem dinheiro para assegurar as suas funções sociais e recorrem à dívida é porque existem entidades que possuem esse capital disponível.
Os biliões de dívida dos países correspondem assim aos biliões possuídos pelos credores. E enquanto os países acumulam dívida, os credores acumulam capital. Existe assim uma relação entre a falta de capital dos Estados e o excesso de capital das entidades credoras, isto é, das oligarquias financeiras. A questão portanto, não é a falta de capital, a falta de crescimento da riqueza, mas a desigualdade na sua distribuição.
Os governos dos Estados deixaram de taxar o capital financeiro e com isso, dada a ascendência crescente do capital financeiro sobre o produtivo, recuaram nas suas receitas. Criaram os offshores, desregularam a “criação” e circulação de capitais e isentaram de taxas as operações financeiras. Os Estados vêem-se assim privados de vultuosas receitas, que numa distribuição mais justa de rendimentos, seria suficiente para manter e ampliar o estado social que agora pretendem abater. O mundo duplicou a sua riqueza desde 1980. A Alemanha aumentou a sua riqueza em 30% desde o ano 2000 e todos os outros países, uns mais outros menos, têm aumentado a sua riqueza ano após ano. Não existe assim razão lógica para uma diminuição das funções sociais asseguradas pelos Estados.
O agravamento das desigualdades na distribuição da riqueza, pela abdicação dos Estados em taxar as operações do capital financeiro, que hoje atingem proporções astronómicas (as trocas especulativas diárias são da ordem dos 1,5 triliões de dólares por dia, enquanto as trocas de bens e serviços realmente existentes mal atingem os 25 biliões, algo como 60 vezes menos) são a única causa dos problemas orçamentais dos Estados.
Os cidadãos só poderão inverter o ciclo miserável que os governantes lhe querem impor – mais austeridade, mais cortes sociais, aumento de impostos sobre o trabalho, diminuição de salário e pensões - quando colocarem à frente dos seus países governos independentes do capital financeiro e que apliquem uma equidade fiscal decente, extinguindo offshores e taxando as operações financeiras.
Marcadores: austeridade, Oligarquias financeiras
2 Comments:
A imagem diz tudo.
Cumps
Esta da aplicação de um super imposto sobre os ricos inspirando-se em declarações do género nos USA e tendo por fundo a doutrina socialista tradicional chegou a Portugal.
Efectuada a análise sobre as realidades, apurou-se que afinal só renderia uns trezentos milhões e se forem aplicadas taxas adicionais sobre certos rendimentos de capital também não seria conseguida grande coisa...E seria um sinal para a fuga de capitais dado que a Europa e em especial os países emergentes não seguem essas vias!
E apurou-se que o capital não está quase isento, longe disso, os maiores empresários pagam já ao nível dos países nórdicos!
Recordemos que nos USA, sim, os ricos pagam muito poucos impostos, é incorrecto importar os discursos dos USA para Portugal...
Muita gente tem de aceitar que se dermos a cada um dos dois milhões de pobres existentes apenas cem euros,teremos ao fim de um ano uma verba completamente incomportavel seja paga pelo OGE seja pelos poucos ricos!
Está esgotada a possibilidade de redistribuição dos rendimentos para acabar com a pobreza e assim esta irá aumentar explosivamente, dada a nossa estrutura produtiva e das baixas potencialidades do capital humano.O nível de vida e de emprego de certas classes trabalhadoras, que permitiu que nos arredores de Lisboa, nos antigos bairros pobres, não se encontre um lugar para estacionar um carro( o seu futuro vai ser a sucata...), foi suicidariamente conseguido á custa do explosivo endividamento público e privado!Agora...paga a classe média que vai ficar empobrecida(sem carro e gravatas,agora são os xanatos, os calções e a bicicleta, já se está a adaptar ao novo IMI,IRS, etc) assim a caminho da miséria ...igualitária, como sucedeu em Cuba!
VL
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