O Estado e a alegada falta de receita
Um discurso muito agitado vem sendo apresentado pelo governo e os seus apoiantes e é relativo à alegada falta de receita do Estado para suportar o actual estado social.
Contudo, o Estado tudo tem feito ao longo dos últimos anos para emagrecer a sua receita. Os impostos sobre o capital têm vindo escandalosamente a reduzir-se. “A perda de receitas gerada por esta via deve-se essencialmente a sucessivas reduções da taxa de IRC, sobretudo através da alteração da base de tributação aplicada às empresas (metade dos resultados contabilísticos deixou de ser tributado) e à diversificação das rubricas de dedução à colecta. Por sectores, em 2010 foi a banca. Em 2010, os lucros da banca somaram quase mil milhões, mas o IRC pago foi de apenas 121 milhões, menos de metade do valor pago em 2009, estima a Associação Portuguesa de Bancos”. “De acordo com os cálculos efectuados, entre 1990 e 2010, «o montante dos resultados contabilísticos positivos das empresas multiplicou-se por 13, enquanto a receita de IRC apenas triplicou». Ou seja, se «em 1990 o IRC liquidado pelo Estado representava 27% dos resultados contabilísticos positivos declarados pelas empresas», passados «20 anos o IRC pesou já só 6% desses resultados», o valor mais baixo da série apurada”. (Ver figura)
Por outro lado o Estado tem sido pródigo na atribuição de benefícios fiscais aos grandes investimentos, na isenção fiscal às transacções de capitais, às grandes fortunas, etc.
A estratégia do governo revela assim um cinismo cruel. De um lado, concede benefícios e isenções fiscais que conduzem a uma menor receita, por outro lado, desculpa-se com a falta de receita para não cumprir com as suas obrigações quanto ao estado social.
O estado social não é outra coisa que uma redistribuição da riqueza produzida em que os mais ricos cedem parte da riqueza adquirida e através dos impostos, aos mais pobres. O Estado intervém socialmente com a sua política fiscal para atenuar assim as desigualdades sociais. Desde o 25 de Abril de 1974 (na Europa desde o pós guerra) que existe como que um certo “pacto” entre os mais ricos e os mais pobres, entre os capitalistas e aqueles que obtém rendimentos através do seu trabalho. E, com esta “harmonia social”, com esta solidariedade social, os países desenvolveram-se e criaram riqueza como nunca antes se tinha assistido. Solidariedade social, hoje colocada em causa pelas políticas neoliberais que se iniciaram na Europa em finais dos anos setenta e que estão a atingir o seu auge na Europa do euro.
A falácia do argumento “ falta de receita para suportar o actual estado social”, é facilmente demonstrada quando analisamos a evolução das percentagens, face ao total da riqueza produzida, entre os rendimentos do trabalho ao longo das últimas décadas e os rendimentos obtidos em lucros. Na verdade, “a parcela de riqueza que é destinada aos salários é actualmente a mais baixa desde, pelo menos, 1960 (o primeiro ano com dados conhecidos). Em contrapartida, a riqueza que se traduz em lucros, que remuneram os detentores do capital, é cada vez mais alta” (relatório UNCTAD).
No nosso país, esta desigualdade tem-se acentuado muito rapidamente nos últimos anos à semelhança aliás dos restantes países europeus. Assim, nestes países a queda dos rendimentos do trabalho face aos rendimentos do capital durante o período 1981-2012 foi de 6,9% na UE-15, 5,4% na Alemanha, 8,5% em França, 7,1% em Itália, 14,6% em Espanha. Em Portugal não temos dados mas não devemos andar longe dos dados de Espanha.
Esta maior percentagem dos lucros do capital não é outra coisa que os recursos que o Estado deixou de arrecadar em impostos. Alguém dizia com propriedade - “a compra da dívida pública é um sistema pelo qual os ricos emprestam ao estado o dinheiro que não pagaram em forma de impostos”.
Conclui-se então, que se o Estado não deixasse de reduzir a tributação do capital ao longo dos últimos anos existiriam seguramente receitas suficientes para manter as suas funções sociais pelo menos ao nível do pré-cortes e uma sociedade menos desigual e mais próspera.
5 Comments:
Muito bem escrito, muito correcto, muito actual.
Ora...afinal nem tudo é mau...é que revista a coisa ....os cortes nas pensões de sobrevivência já não vão ser feitos a partir dos 400 euros...mas sim a partir dos 600 euros...
e assim se poupam dez mil pensionistas...passando a ser 34 mil os abrangidos pelos cortes...
Em Portugal existem á volta de 10 milhões de portugueses...e mais uns estrangeiros...
os ricos que paguem a crise...
Vá lá ...vá lá....
....e depois o culpado é o Tribunal Constitucioanl...!!!
Oh...diabo...!!!
O Sr Vice-Presidente do Governo está a apresentar a Reforma do Estado...e...entre outras coisas disse que se arrecadam 4 milhões de euros em descontos para as reformas e gastam-se 9 milhões, em cada mês...o que ....disse.... é um problema...
como se entendêssemos...que...
..pois dizemos nós.....a solução está à vista ...temos de ir buscar ao Orçamento Geral do Estado 5 milhões ...ou não será...???
...o que é que se andou a fazer com os descontos da rapaziada...???
Bom...até agora...no que respeita a reforma.....quanto aos artigos 1.º. 2.º. 5.º . 72.º e 110.º da Constituição....nada....!!
Ahhh...ainda faltava ....a chamada ..."regra de ouro"...na Constituição...
....de uma penada entra-se pela casa que é o Título II da Constituição - Direitos, Liberdades e Garantias - como raposa em galinheiro...
Por isso se chama de ...."regra de ouro"...
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