A Irlanda e Portugal
Agora, que a intervenção na Irlanda está prestes a acabar e quando o governo e os seus apoiantes tentam comparar o trajecto da Irlanda com o de Portugal será bom debruçarmo-nos um pouco sobre os percursos dos dois países antes e depois da crise financeira internacional que eclodiu em 2008.
As causas da intervenção na Irlanda são na verdade totalmente diferentes das causas que motivaram a intervenção na Grécia e em Portugal. E, ao serem diferentes essas causas, naturalmente que foi diferente a evolução temporal da intervenção bem como o sucesso ou insucesso da sua finalização.
Foram os activos tóxicos com origem nos EUA que destroçaram a banca da Irlanda associado a uma crise do imobiliário que levou a uma intervenção maciça do estado irlandês no resgate financeiro da banca que acabou por ser nacionalizada. Ora, em Portugal não tivemos uma crise imobiliária nem os activos tóxicos atingiram tão duramente a nossa banca como na Irlanda. Verifica-se também que nos anos anteriores à crise os caminhos de Portugal e da Irlanda eram bem diferentes. Enquanto Portugal tinha uma dívida pública próxima dos 70% do PIB (2007) a Irlanda possuía uma dívida inferior a 25%, mercê dos fortes crescimento económicos sem défices públicos (ao contrário, com superavits em 2000 teve um +4,8% do PIB enquanto Portugal teve um défice de – 2,9%e em 2005 teve +1,6% enquanto Portugal teve um défice de -6,1%.
Por outro lado a realidade económica e social Irlandesa era e é muito diferente da portuguesa. O salário mínimo na Irlanda era de 1.462 euros em 2011 quando em Portugal era e é de 566 euros (salário bruto); o PIB por habitante (2012 em SPA) é de 130 na Irlanda e 75 em Portugal; o esforço fiscal em 2008 era de 0,08 na Irlanda enquanto em Portugal era, no mesmo ano, de 0,23; ou ainda, no Índice de Desenvolvimento Humano 2012 das nações Unidas a Irlanda surge na 7ª posição enquanto Portugal aparece na 43ª.
Daí que será muito difícil a Portugal ter um sucesso como o da Irlanda.
Mas compreende-se esta tentativa do governo em tentar identificar Portugal com a Irlanda. Pretende-se passar a ideia de que “se formos obedientes e fizermos o que nos mandam”, isto é, contemporizarmos com as medidas inconstitucionais inscritas no orçamento de estado para 2014, teremos um "futuro radioso" como o da Irlanda. Como se
mais austeridade fosse o caminho para sairmos da austeridade.
Na verdade, o que se deseja é que o TC sancione tais medidas, isto é, sancione uma profunda alteração estrutural do modelo económico e social do país.
Uma “refundação” do Estado, como lhe chamou Passos Coelho. As profundas alterações que se procuram não são meramente conjunturais, temporárias, exigidas pela grave situação económica e financeira do país, mas alterações estruturais, isto é, que se perpetuarão para além dos próximos anos.
Anseia-se pela concretização do projecto neoliberal do estado mínimo. A ortodoxia neoliberal tem consciência de que o Estado de bem-estar social e as suas políticas sociais, não são apenas uma “administração”, mas um modelo civilizacional. As narrativas da neodireita, estão assim voltadas para demolir este modelo e substituí-lo por outro.
É uma tentativa de implantação de um novo projecto de reforma ideológica, económico e social. De uma verdadeira tentativa de golpe de estado. Um golpe de estado contra a cidadania, a democracia e os direitos democráticos e contra todas as conquistas sociais alcançadas com o 25 de Abril de 1974 consagradas na Constituição Portuguesa.
Tratam-se os direitos sociais como privilégios e os verdadeiros privilégios (PPP, rendas EDP,…) como direitos.
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