“Uma Década para Portugal”
O mérito do documento dos
economistas encomendado pelo PS reside no facto de ele propor uma alternativa ao discurso do governo do modelo único, do
empobrecimento contínuo, da austeridade sem fim.
Austeridade
apresentada desde sempre pelo governo como a única via para o crescimento
económico (sem que isso signifique contudo a melhoria das condições de vida da
população). Coelho, Portas e seus seguidores continuam a tentar convencer os
portugueses deste absurdo idiota que
consiste em aplicar mais austeridade para sair da austeridade.
Esta mancebia
Coelho/Portas não promete outra coisa aos portugueses que não seja a
continuação da austeridade. O mesmo é dizer que irão continuar o agravamento de
impostos sobre o trabalho, as privatizações do património de todos nós, a
redução das pensões e salários e os cortes nas funções sociais do Estado, na
Educação, Saúde e Protecção Social. E todo o dinheiro arrecadado com estas
políticas irá reverter para a obtenção de maiores ganâncias dos monopólios
privatizados, das instituições financeiras e dos gestores e accionistas das
grandes empresas. Numa transferência de rendimento da esmagadora maioria da
população para uma minoria de muito ricos e super-ricos. É o empobrecimento
continuado dos portugueses e o aumento das desigualdades sociais.
E dizem hoje, dando
mostras do maior descaramento, que tudo isto é necessário para que os
sacrifícios já suportados pelos portugueses, não seja em vão; o mesmo é dizer
que para que os sacrifícios já
suportados não sejam em vão será preciso mais sacrifícios dos portugueses.
Uma outra coisa será averiguar da credibilidade que podem
merecer as políticas de combate à austeridade propostas no documento do PS.
A questão da TSU, a sua redução para patrões não é das propostas que ganha
simpatia.
Os economistas do PS deveriam saber
que o custo dos impostos sobre as empresas a nível de IRC vem diminuindo desde
há vários anos. Na verdade de acordo com os cálculos efectuados, entre 1990 e
2010, «o montante dos resultados contabilísticos positivos das empresas
multiplicou-se por 13, enquanto a receita de IRC apenas triplicou». Ou seja, se
«em 1990 o IRC liquidado pelo Estado representava 27% dos
resultados contabilísticos positivos declarados pelas empresas», passados «20
anos o IRC pesou já só 6% desses resultados», o valor mais baixo da
série apurada. Por outro lado continua a atribuição de benefícios fiscais às
empresas, mais de 1.000 milhões de euros foram concedidos em benefícios fiscais
em 2013 (mais 17% do que em 2012).
Assim sendo, o estudo da alteração da TSU para patrões deveria
naturalmente ser equacionada tendo em consideração todos estes factores e
seria lógico que a haver diminuição de TSU nas empresas com políticas de
emprego estável tal diminuição fosse compensada pelo aumento da TSU nas
empresas que por norma praticam a rotatividade de trabalhadores. Assim, todas
as empresas com trabalhadores precários teriam um agravamento da TSU que
compensaria a descida da TSU para as empresas com trabalhadores a contrato
permanente.
O documento estima que os 4p.p. de
descida da TSU corresponde a 850 milhões de euros e atribui-lhe o bondoso benefício de estímulo
à economia, dando como certo que as empresas utilizarão tal dinheiro
para investimento produtivo e criação de emprego, quando o mais certo é
utilizarem tal dádiva inesperada de proveitos na especulação financeira ou em
bens sumptuários.
Ao contrário do que afirma o
documento (e também o governo) de que a
redução da TSU é essencial para estimular o crescimento económico não corresponde
à realidade e entra mesmo em contradição com a estratégia (também apontada no
documento) de dinamização da Procura. É
uma medida de estímulo à Oferta quando o maior problema do país é a grande
falta de “estímulos” à Procura, como aliás reconhece o documento.
O maior apoio ao RSI, ao
complemento solidário para idosos, a reposição salarial dos funcionários públicos,
a reposição dos feriados ou o complemento anual de subsídio às famílias de
baixos salários (triste país que se vê forçado a aplicar legislação semelhante à
aplicada em 1795 por Speenhamlan e que ficou conhecida por Lei dos Pobres de
Speenhamland que reconhecia o direito de todos os homens a um mínimo de
subsistência: se alguém não podia cobrir mais que parte desse mínimo com o seu
trabalho, a sociedade devia proporcionar-lhe o complemento), são exemplos
de medidas contidas no documento e de “estímulo” á Procura.
O documento analisa também o modo
de funcionamento da administração pública e estabelece uma série de princípios
orientadores para a administração pública. Aqui os economistas autores do documento parecem desconhecer a
evolução da nossa administração pública ao longo das últimas décadas ao não
considerarem o maior problema de que enferma e que constitui um sorvedouro
imenso de dinheiros públicos. Trata-se da criação avulsa pelos sucessivos
governos de inúmeros organismos públicos. Por cada alteração introduzida resultou
sempre uma maior desarticulação e irracionalidade dos serviços da Administração
Pública, uma maior despesa do seu funcionamento e uma perda de eficácia crescente.
De uma Administração Pública
constituída por Direcções Gerais (hierarquicamente subdividida em direcções de
serviço, divisões, repartições e secções) em 1974, passámos para uma
Administração com uma infinidade de Órgãos, criados ao longo dos anos -
Conselhos, Comissões, Gabinetes, Inspecções, Auditorias, Serviços, Centros,
Fundações. Agências, Autoridades, Fundos, Secretarias, Institutos e Empresas
Municipais. Extinguiram-se Direcções Gerais e substituíram-se por outros
organismos. Do pessoal das Direcções extintas, uns tantos transitaram para os
novos órgãos, os restantes, a maioria acomodou-se noutros serviços dispersos da
administração. Os conhecimentos, o know-how que possuíam foram desbaratados e
desaproveitados, originando um grupo de funcionários desmotivados e
descontentes sem produtividade capaz. Os custos de uma tal operação nunca foram
motivo para recuo dos governos nesta política. Os custos mais elevado da
criação destes organismos, não apenas os custos das suas novas instalações,
mobiliário, equipamentos, etc, mas os próprios custos com os funcionários dos
Institutos, nunca foram preocupação dos governantes Onde existia um Director
passou a existir um presidente, um vice-presidente e dois ou três vogais com
vencimentos muito superiores e múltiplas mordomias. Por outro lado, estes novos
organismos com o seu novo enquadramento legal que lhes permite contratar
pessoal sem vínculo à função pública abriu caminho ao compadrio, ao maior
clientelismo e à mais completa politização da Administração Pública. Com mais
pessoal e mais despesa a Justiça, a Saúde, a Educação, a Segurança, e outros
serviços prestados pelo Estado, em nada melhoraram. A lógica que precedeu a estas alterações de criação de novos órgãos
paralelos aos já existentes, explica-se por três ordens de razões principais.
Porque o ministro ou o director geral por si nomeado, se poupava ao incómodo de
despachar com “gente estranha”, com os directores de serviços de carreira;
porque se lhes oferecia a oportunidade de substituir tais dirigentes, por gente
da sua clientela partidária e pessoal, numa outra nova estrutura; porque se
livrava do apertado controlo jurídico quanto às aquisições de serviços,
fornecimentos e empreitadas públicas a que a Função Pública está sujeita.
Provocou-se assim uma grande desarticulação e desenquadramento da Função
Pública, com a criação de inúmeros Órgãos do Estado, cada um com as suas
orgânicas específicas, sem critério quanto ao número ou ao vencimento de
funcionários, sem um peso equilibrado a toda a função pública quanto à
qualidade e esforço do exercício da função. A belo prazer de cada um dos ministros dos sucessivos governos,
foram-se forjando serviços completamente desarticulados entre si de que
resultou a maior disfuncionalidade e irracionalidade da Administração Pública.
A criação dos Institutos Públicos e de toda uma extensa variedade de
organismos do Estado paralelos bem como a criação das Empresas Municipais,
tornou-se o maior sorvedouro de dinheiros públicos. Esperava-se
que no documento dos economistas do PS se apontasse este caminho: a extinção
das empresas municipais integrando as suas funções e serviços prestados nos
Serviços Municipais, onde estavam e de onde nunca deveriam ter saído e
igualmente a extinção da grande maioria dos Institutos e outros Órgãos do
Estado e, do mesmo modo, integrando as suas funções e serviços nas Direcções
Gerais reestruturadas, proporcionando a racionalidade, a coerência, a
funcionalidade e a eficácia que tem faltado à Administração Pública. Eliminando
de vez com as verdadeiras gorduras do Estado que nenhum governo parece ter
coragem de extinguir.
O melhor exemplo de que o documento
não detecta a necessidade e a urgência de uma reforma global dos serviços da
Administração Pública revela-se ao aceitar o número existente de organismos
actuais quando afirma - “qualquer remodelação orgânica seja minimalista e não
aumente o número de organismos da administração”.
Em contrapartida, quando o
documento afirma ”o insubstituível
papel de redistribuição da riqueza pelo Estado”, está a reconhecer sem dúvida um Estado que assegura o
equilíbrio de benefícios entre o Capital e o Trabalho, a defesa de um Estado
regulador, um Estado que distribui eticamente a riqueza produzida através de
uma justa fiscalidade, um Estado que promove a coesão social e a atenuação das
desigualdades sociais, um Estado Social que assegura condições iguais a todos
os cidadãos na Saúde, Educação, Justiça, um Estado com uma Protecção Social
eficaz à doença, ao desemprego, à velhice, um Estado que através de leis laborais
consagra direitos do Trabalho de modo a atenuar tensões sociais sempre
limitativas do crescimento e do desenvolvimento económico. No fundo, um estado
fiel aos princípios sociais-democratas matriz dos ideais do PS e não um Estado
anti-social, um Estado neoliberal que amplia as desigualdades sociais. É a assunção de uma posição política
importante e diferenciadora, que se espera o PS acolha, e que deveria merecer senão
o apoio pelo menos o benefício da dúvida por parte dos partidos de esquerda.
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