sexta-feira, maio 15, 2015

“Uma Década para Portugal”


O mérito do documento dos economistas encomendado pelo PS reside no facto de ele propor uma alternativa ao discurso do governo do modelo único, do empobrecimento contínuo, da austeridade sem fim.
Austeridade apresentada desde sempre pelo governo como a única via para o crescimento económico (sem que isso signifique contudo a melhoria das condições de vida da população). Coelho, Portas e seus seguidores continuam a tentar convencer os portugueses deste absurdo idiota que consiste em aplicar mais austeridade para sair da austeridade.
Esta mancebia Coelho/Portas não promete outra coisa aos portugueses que não seja a continuação da austeridade. O mesmo é dizer que irão continuar o agravamento de impostos sobre o trabalho, as privatizações do património de todos nós, a redução das pensões e salários e os cortes nas funções sociais do Estado, na Educação, Saúde e Protecção Social. E todo o dinheiro arrecadado com estas políticas irá reverter para a obtenção de maiores ganâncias dos monopólios privatizados, das instituições financeiras e dos gestores e accionistas das grandes empresas. Numa transferência de rendimento da esmagadora maioria da população para uma minoria de muito ricos e super-ricos. É o empobrecimento continuado dos portugueses e o aumento das desigualdades sociais.
E dizem hoje, dando mostras do maior descaramento, que tudo isto é necessário para que os sacrifícios já suportados pelos portugueses, não seja em vão; o mesmo é dizer que para que os sacrifícios já suportados não sejam em vão será preciso mais sacrifícios dos portugueses 
Uma outra coisa será averiguar da credibilidade que podem merecer as políticas de combate à austeridade propostas no documento do PS. A questão da TSU, a sua redução para patrões não é das propostas que ganha simpatia.
Os economistas do PS deveriam saber que o custo dos impostos sobre as empresas a nível de IRC vem diminuindo desde há vários anos. Na verdade de acordo com os cálculos efectuados, entre 1990 e 2010, «o montante dos resultados contabilísticos positivos das empresas multiplicou-se por 13, enquanto a receita de IRC apenas triplicou». Ou seja, se «em 1990 o IRC liquidado pelo Estado representava 27% dos resultados contabilísticos positivos declarados pelas empresas», passados «20 anos o IRC pesou já só 6% desses resultados», o valor mais baixo da série apurada. Por outro lado continua a atribuição de benefícios fiscais às empresas, mais de 1.000 milhões de euros foram concedidos em benefícios fiscais em 2013 (mais 17% do que em 2012).
Assim sendo, o estudo da alteração da TSU para patrões deveria naturalmente ser equacionada tendo em consideração todos estes factores e seria lógico que a haver diminuição de TSU nas empresas com políticas de emprego estável tal diminuição fosse compensada pelo aumento da TSU nas empresas que por norma praticam a rotatividade de trabalhadores. Assim, todas as empresas com trabalhadores precários teriam um agravamento da TSU que compensaria a descida da TSU para as empresas com trabalhadores a contrato permanente.
O documento estima que os 4p.p. de descida da TSU corresponde a 850 milhões de euros e atribui-lhe o bondoso benefício de estímulo à economia, dando como certo que as empresas utilizarão tal dinheiro para investimento produtivo e criação de emprego, quando o mais certo é utilizarem tal dádiva inesperada de proveitos na especulação financeira ou em bens sumptuários.
Ao contrário do que afirma o documento (e também o governo) de que a redução da TSU é essencial para estimular o crescimento económico não corresponde à realidade e entra mesmo em contradição com a estratégia (também apontada no documento) de dinamização da Procura. É uma medida de estímulo à Oferta quando o maior problema do país é a grande falta de “estímulos” à Procura, como aliás reconhece o documento.
O maior apoio ao RSI, ao complemento solidário para idosos, a reposição salarial dos funcionários públicos, a reposição dos feriados ou o complemento anual de subsídio às famílias de baixos salários (triste país que se vê forçado a aplicar legislação semelhante à aplicada em 1795 por Speenhamlan e que ficou conhecida por Lei dos Pobres de Speenhamland que reconhecia o direito de todos os homens a um mínimo de subsistência: se alguém não podia cobrir mais que parte desse mínimo com o seu trabalho, a sociedade devia proporcionar-lhe o complemento), são exemplos de medidas contidas no documento e de “estímulo” á Procura.
O documento analisa também o modo de funcionamento da administração pública e estabelece uma série de princípios orientadores para a administração pública. Aqui os economistas autores do documento parecem desconhecer a evolução da nossa administração pública ao longo das últimas décadas ao não considerarem o maior problema de que enferma e que constitui um sorvedouro imenso de dinheiros públicos. Trata-se da criação avulsa pelos sucessivos governos de inúmeros organismos públicos. Por cada alteração introduzida resultou sempre uma maior desarticulação e irracionalidade dos serviços da Administração Pública, uma maior despesa do seu funcionamento e uma perda de eficácia crescente.
De uma Administração Pública constituída por Direcções Gerais (hierarquicamente subdividida em direcções de serviço, divisões, repartições e secções) em 1974, passámos para uma Administração com uma infinidade de Órgãos, criados ao longo dos anos - Conselhos, Comissões, Gabinetes, Inspecções, Auditorias, Serviços, Centros, Fundações. Agências, Autoridades, Fundos, Secretarias, Institutos e Empresas Municipais. Extinguiram-se Direcções Gerais e substituíram-se por outros organismos. Do pessoal das Direcções extintas, uns tantos transitaram para os novos órgãos, os restantes, a maioria acomodou-se noutros serviços dispersos da administração. Os conhecimentos, o know-how que possuíam foram desbaratados e desaproveitados, originando um grupo de funcionários desmotivados e descontentes sem produtividade capaz. Os custos de uma tal operação nunca foram motivo para recuo dos governos nesta política. Os custos mais elevado da criação destes organismos, não apenas os custos das suas novas instalações, mobiliário, equipamentos, etc, mas os próprios custos com os funcionários dos Institutos, nunca foram preocupação dos governantes Onde existia um Director passou a existir um presidente, um vice-presidente e dois ou três vogais com vencimentos muito superiores e múltiplas mordomias. Por outro lado, estes novos organismos com o seu novo enquadramento legal que lhes permite contratar pessoal sem vínculo à função pública abriu caminho ao compadrio, ao maior clientelismo e à mais completa politização da Administração Pública. Com mais pessoal e mais despesa a Justiça, a Saúde, a Educação, a Segurança, e outros serviços prestados pelo Estado, em nada melhoraram. A lógica que precedeu a estas alterações de criação de novos órgãos paralelos aos já existentes, explica-se por três ordens de razões principais. Porque o ministro ou o director geral por si nomeado, se poupava ao incómodo de despachar com “gente estranha”, com os directores de serviços de carreira; porque se lhes oferecia a oportunidade de substituir tais dirigentes, por gente da sua clientela partidária e pessoal, numa outra nova estrutura; porque se livrava do apertado controlo jurídico quanto às aquisições de serviços, fornecimentos e empreitadas públicas a que a Função Pública está sujeita. Provocou-se assim uma grande desarticulação e desenquadramento da Função Pública, com a criação de inúmeros Órgãos do Estado, cada um com as suas orgânicas específicas, sem critério quanto ao número ou ao vencimento de funcionários, sem um peso equilibrado a toda a função pública quanto à qualidade e esforço do exercício da função. A belo prazer de cada um dos ministros dos sucessivos governos, foram-se forjando serviços completamente desarticulados entre si de que resultou a maior disfuncionalidade e irracionalidade da Administração Pública.
A criação dos Institutos Públicos e de toda uma extensa variedade de organismos do Estado paralelos bem como a criação das Empresas Municipais, tornou-se o maior sorvedouro de dinheiros públicos. Esperava-se que no documento dos economistas do PS se apontasse este caminho: a extinção das empresas municipais integrando as suas funções e serviços prestados nos Serviços Municipais, onde estavam e de onde nunca deveriam ter saído e igualmente a extinção da grande maioria dos Institutos e outros Órgãos do Estado e, do mesmo modo, integrando as suas funções e serviços nas Direcções Gerais reestruturadas, proporcionando a racionalidade, a coerência, a funcionalidade e a eficácia que tem faltado à Administração Pública. Eliminando de vez com as verdadeiras gorduras do Estado que nenhum governo parece ter coragem de extinguir.
O melhor exemplo de que o documento não detecta a necessidade e a urgência de uma reforma global dos serviços da Administração Pública revela-se ao aceitar o número existente de organismos actuais quando afirma - “qualquer remodelação orgânica seja minimalista e não aumente o número de organismos da administração”.

 Algumas outras afirmações enunciadas no documento não serão muito felizes e entram em contradição com o que parece ser a sua motivação principal que será uma política de estímulo á Procura. Quando se afirma e assim começa o documento “a crise que se abateu sobre Portugal resultou de um acumular de desequilíbrios estruturais”, responsabiliza-se o país pelo aumento brusco e brutal dos juros da dívida pública e o consequente pedido de ajuda financeira que culminou na vinda da Troika, estamos manifestamente na presença de uma mistificação da realidade. O que motivou o brutal e repentino aumento dos juros da dívida naquele período deve-se unicamente à crise financeira internacional. Todos os países europeus com maior ou menor dívida, com maiores ou menores desequilíbrios estruturais, sofreram então aumentos bruscos dos juros das suas dívidas públicas. Isto não significa que não deva constituir preocupação para qualquer governo, os desequilíbrios estruturais referenciados. Não se poderá é considerá-los como primeiros e únicos responsáveis pela “crise que se abateu sobre Portugal”. Daí a repetir a falácia anunciada pelo governo vezes sem conta que os “portugueses viviam acima das suas possibilidades” vai um passo muito curto, quando se sabe que mais de 60% da população portuguesa não tem dívidas aos bancos e quase trinta 30% dos restantes deve unicamente as prestações da sua casa. 
Em contrapartida, quando o documento afirma ”o insubstituível papel de redistribuição da riqueza pelo Estado”, está a reconhecer sem dúvida um Estado que assegura o equilíbrio de benefícios entre o Capital e o Trabalho, a defesa de um Estado regulador, um Estado que distribui eticamente a riqueza produzida através de uma justa fiscalidade, um Estado que promove a coesão social e a atenuação das desigualdades sociais, um Estado Social que assegura condições iguais a todos os cidadãos na Saúde, Educação, Justiça, um Estado com uma Protecção Social eficaz à doença, ao desemprego, à velhice, um Estado que através de leis laborais consagra direitos do Trabalho de modo a atenuar tensões sociais sempre limitativas do crescimento e do desenvolvimento económico. No fundo, um estado fiel aos princípios sociais-democratas matriz dos ideais do PS e não um Estado anti-social, um Estado neoliberal que amplia as desigualdades sociais. É a assunção de uma posição política importante e diferenciadora, que se espera o PS acolha, e que deveria merecer senão o apoio pelo menos o benefício da dúvida por parte dos partidos de esquerda.