Melhor que
ninguém, Donald Trump percebeu a fractura cada vez mais ampla entre as elites
políticas, económicas, intelectuais e mediáticas, por um lado e a base do eleitorado
conservador, por outro lado. O seu discurso violentamente anti Washington e
anti Wall Street seduziu, em particular, aos eleitores brancos pouco cultos e
empobrecidos pelos efeitos da globalização económica.
Há que
precisar que a mensagem de Trump não é semelhante à de um partido neofascista
europeu. Não é um ultra direitista convencional. Ele próprio se define como um “conservador
com senso comum”.
Trump não é
um anti sistema, nem obviamente um revolucionário. Não censura o modelo
político em si, senão os políticos que o comandam. O seu discurso é emocional e
espontâneo. Apela aos instintos, ao estomago e não ao cérebro, nem à razão. Fala
para essa parte do povo dos estados unidos entre o qual reina o desânimo e o
descontentamento. Dirige-se à gente que está cansada da velha política, da
«casta». E promete injectar honestidade no sistema; renovar nomes, rostos e atitudes.
Os meios de
comunicação social deram grande difusão a algumas das suas declarações e
propostas mais odiosas. Recordemos, por exemplo, a sua afirmação de que todos os
imigrantes ilegais mexicanos são corruptos, delinquentes e violadores. Ou o seu
projecto de expulsar aos 11 milhões de imigrantes ilegais latinos a quem quer
meter em autocarros e expulsar do país. Ou também a sua afirmação de que o
matrimónio tradicional, formado por um homem e uma mulher, é "a base de uma
sociedade livre". Sem esquecer as suas declarações sobre o "engano"
da mudança climática que, segundo Trump, é um conceito "criado por e para os
chineses, para fazer com que o sector industrial dos estados unidos perca
competitividade".
Este
catálogo de declarações horripilantes e detestáveis foi, repito, massivamente
difundido pelos meios dominantes não só nos Estados Unidos mas também no resto
do mundo. E a principal pergunta que muita gente faz será: como é possível que uma
personagem com tão lamentáveis ideias consiga uma audiência tão considerável
entre os eleitores?
Para
responder a esta pergunta temos que romper a muralha informativa e analisar
mais de perto o programa completo do candidato republicano e descobrir os sete
pontos fundamentais que defende, silenciados pelos grandes meios de comunicação
social.
1) Os jornalistas
não lhe perdoam, em primeiro lugar, que ele ataque de frente o poder mediático.
Reprovam-lhe que constantemente anime o público nos seus comícios a troçar dos
“desonestos” meios. Trump afirmou: «Não estou a competir contra Hillary
Clinton, estou competindo contra os corruptos meios de comunicação»
Por
considerar injusta ou enviesada a cobertura mediática, o candidato republicano
não hesitou em retirar as credenciais de imprensa para cobrir a sua campanha a
vários meios importantes, entre outros, The Washington Post, Politico,
Huffington Post y BuzzFeed.
2) Outra
razão pela qual os grandes meios atacaram Trump é porque ele denuncia a
globalização económica, convencido de que esta acabou com a classe média.
Segundo ele, a economia globalizada está falhando a cada vez mais gente, e
recorda que, nos últimos 15 anos, nos Estados Unidos, mais de 60.000 fábricas
tiveram que fechar e quase cinco milhões de empregos industriais bem pagos
desapareceram.
3) É um
fervoroso proteccionista. Propõe aumentar as taxas de todos os produtos
importados. «Vamos recuperar o controlo do país, faremos que os Estados Unidos
voltem a ser um grande país».
Partidário
do Brexit, Donald Trump revelou que, uma vez eleito presidente, tratará de
retirar aos EEUU do Tratado de Libre Comercio da América do Norte (NAFTA).
Também arremeteu contra o Acordo de Associação Transpacífico (TPP), e assegurou
que, se alcançar a Presidência, retirará dele o país: «El TPP seria um golpe
mortal para a industria industrial dos Estados Unidos».
Em regiões onde
as deslocalizações e o encerramento de fábricas deixaram altos níveis de desemprego
e de pobreza, esta mensagem de Trump foi muito mobilizadora.
4) Assim
como a sua rejeição aos cortes neoliberais em matéria de Segurança Social. Muitos
eleitores republicanos, vítimas da crise económica de 2008 ou que tinham mais
de 65 anos, necessitam beneficiar-se da Social Security (reforma) e do Medicare
(seguro de saúde) que desenvolveu o presidente Barack Obama e que outros
líderes republicanos desejavam suprimir. Tump prometeu não tocar nestes avanços
sociais, baixar o preço dos medicamentos, ajudar a resolver os problemas dos
«sem tecto», reformar a fiscalidade dos pequenos contribuintes e suprimir o
imposto federal que afecta a 73 milhões de famílias modestas.
5) Contra a
arrogância de Wall Street, Trump propõe aumentar significativamente os impostos
dos corredores dos Hedge Funds, que ganham fortunas, e apoia o restabelecimento
da Ley Glass-Steagall. Aprovada em 1933, em plena Depressão, esta lei separou a
banca comercial da banca de investimentos com o objectivo de evitar que a primeira
pudesse fazer investimentos de alto risco. Obviamente, todo o sector financeiro
se opõe absolutamente ao restabelecimento desta medida.
6) Em política
internacional, Trump quer estabelecer uma aliança com a Rússia para combater
com eficácia o Daesh. Ainda que para isso Washington tenha que reconhecer a
anexação da Crimeia por Moscovo.
7) Trump
estima que com a sua enorme dívida pública os Estados Unidos já não dispõem dos
recursos necessários para conduzir uma política externa intervencionista
indiscriminada. Já não pode impor a paz a qualquer preço. Em oposição a vários
caciques do seu partido, e como consequência lógica do final da guerra fria,
quer mudar a NATO: «Não haverá nunca mais a garantia de uma protecção
automática dos Estados Unidos para com os países da NATO».
Todas estas
propostas não invalidam em absoluto as inaceitáveis e odiosas declarações do
candidato republicano difundidas a jorro pelos grandes meios de comunicação
dominantes. Mas sim, explicam melhor as razões do seu êxito.
(extractos de
artigo de Ignacio Ramonet, publicado no Le Monde Diplomatique)
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