domingo, abril 15, 2018

HÁ OU NÃO HÁ INVERSÃO NO DISCURSO?


Em 2016 e 2017 o foco da política do governo, a sua estratégia económica e social, centrava-se na política de devolução de rendimentos e na inversão das medidas antipopulares, cortes dos feriados, 35 horas, redução de benefícios sociais impostos pelo anterior governo de direita Coelho/Portas.
António Costa e o seu governo afirmavam então que tais medidas políticas eram perfeitamente compatíveis com o acerto das contas públicas e com os compromissos com Bruxelas. Não se falava então nos cuidados a ter com uma eventual futura economia externa desfavorável nem das más políticas que antes da crise “teriam levado o país” a situações de ruptura. Não, todos os esforços estavam centrados na política de devolução de rendimentos como motora do desenvolvimento económico e do acerto das contas públicas.

Tanto a oposição de direita como a própria Comissão Europeia não acreditavam nos resultados desta alternativa política, desta alternativa de modelo social e até não se furtaram muitas vezes a ridicularizar o ministro das finanças Mário Centeno por tomar tal opção. Previam o caos orçamental e económico por esta inversão da sua tão querida política de austeridade. Os comentaristas seleccionados de direita nas televisões, a UTAO, a CIP, o PSD e o CDS repetiam vezes sem conta a desgraça que se avizinhava, era o Diabo que vinha aí.

O governo manteve-se firme na persecução da sua alternativa e hoje pode orgulhar-se da justeza das suas opções políticas.

 Com a apresentação de Mário Centeno do Programa de Estabilidade e com a polémica relativa ao valor do défice para 2018, constata-se pelas palavras do ministro das finanças que o foco futuro da política do governo será sobretudo assegurar o acerto das contas públicas deixando para segundo lugar a política de devolução de rendimentos. É esta a leitura que parece aferir-se das palavras do ministro. Contudo, só os tempos futuros poderão confirmar ou não esta nova postura do governo e o seu alcance e os seus limites.  

 Será preciso ter em conta, num pequeno e breve ensaio das contas, que em 2015 a quebra de rendimento total acumulado das famílias portugueses somou 18.000 milhões de euros/ano relativamente aos rendimentos que auferiam em 2011. E que em 2016, 2017 e 2018 foram devolvidos no somatório destes três últimos anos cerca de 4.000 milhões de euros sendo este o valor do rendimento anual devolvido em 2018. 

Não sei se na verdade os “portugueses viviam acima das suas possibilidades” e se é possível retornar aos rendimentos de 2011. Contudo, estamos ainda muito longe dos rendimentos dos tempos anteriores à crise financeira internacional.

Será que uma nova política de contenção nos levará a alcançar melhores rendimentos?





sábado, abril 14, 2018

OS ELOGIOS A CENTENO


Quando o presidente da CIP, António Saraiva, elogia o governo pela adopção que tomou relativa ao valor do défice, dizendo “ o governo está no bom caminho” torna claro o sentido político da decisão de Centeno.
 As palavras do ministro das finanças ontem na apresentação do programa de estabilidade como justificação da opção tomada de reduzir o défice de 2018 para 0,7% são, no mínimo, de grande infelicidade.
Ao afirmar que esta decisão é indispensável à sustentabilidade das “contas públicas” porque não quer “regressar a um passado recente” interpretando assim a vinda da Troika e as dificuldades porque o país e os portugueses passaram como o resultado das “más políticas” do governo de Sócrates, está a utilizar a mesma argumentação que ouvimos a direita repetir durante os anos da governação Coelho/Portas.
 Ora, tal interpretação que a direita e agora Centeno faz da origem e intensidade da crise porque passámos é falsa e não corresponde à realidade.
Apesar dos erros cometidos pela governação do anterior governo do PS, e foram muitos, a causa primeira das dificuldades sentidas pelo país tiveram origem na crise financeira internacional iniciada em 2008. A crise atingiu todos os países, e não foram seguramente as “más políticas” do governo Sócrates que provocaram o resgate da Irlanda, da Grécia ou as dificuldades sentidas pela Espanha, Itália e muitos outros países.
Retomar o falso discurso da direita para justificar uma decisão política é, no mínimo, de uma tremenda infelicidade. Uma tal inversão da interpretação histórica da realidade feita por Centeno está já a merecer elogios do “patrão dos patrões”, do presidente da CIP António José Saraiva quando diz que com tal medida “o governo está no bom caminho”.
 Terá sido um pequeno descuido, um desvio do modelo social alternativo anti austeridade encetado pelo governo de António Costa com o apoio parlamentar do BE e PCP desde o seu início ou um regresso às políticas neoliberais da “austeridade para sair da austeridade”?
António Costa poderia e deveria ter dialogado com seus parceiros que com os seus votos aprovaram o Orçamento para 2018 com a previsão de um défice de 1,1% e negociado um valor alternativo. Facilmente se chegaria ao valor de 0,9% que creio seria aceitável pelo BE e PCP e evitaria a infeliz argumentação de Centeno e a desconfiança agora instalada nos seus parceiros e nas famílias quanto ao sentido político futuro da acção política do governo.   

“IR ALÉM DA COMISSÃO EUROPEIA”


Neste confronto de argumentação entre o governo do PS, o BE e o PCP sobre o défice e o pacto de estabilidade, a ideia que passa, o que se retira desta discussão é que as famílias irão ser penalizadas com uma menor distribuição de rendimentos e uma menor melhoria das funções sociais do estado apenas e tão só porque foram alcançados melhores resultados para o défice de 2017 do que estava previsto.
Na verdade, se o valor do défice de 2017 tivesse sido de 1,4% como estava previsto e não o óptimo resultado de 0,9%, teríamos para 2018 um défice de 1,1% e não de 0,7% como agora se altera nesta nova previsão inscrita no pacto de estabilidade.
Quer dizer, o esforço das famílias que permitiram um tão bom resultado irá resultar na sua própria penalização com menor distribuição de rendimentos e menores benefícios oferecidos pelo estado na saúde, educação, etc.
É um contra senso que irá seguramente retirar alguma confiança ao desempenho do governo, confiança tão desejável e necessária ao melhor desenvolvimento económico do país.
 O governo atribui e bem ao melhor desenvolvimento económico do país, ao maior crescimento, ao menor desemprego, ao maior emprego, ao menor défice, etc, à mudança de política que vem executando, à inversão da política da austeridade seguida pelo governo anterior de Coelho e Portas e à reposição de rendimento. Os resultados obtidos com esta inversão de política, com esta alternativa política, foram óptimos e muito para além das espectativas iniciais. Perante a descrença da Comissão Europeia o governo de António Costa manteve-se firme na prossecução desta política e conseguiu demonstrar a justeza da sua política económica, a justeza do seu modelo económico alternativo. 
Em vez de privilegiar a Oferta como praticam os amantes das políticas de austeridade privilegiou a Procura com a devolução de rendimentos.
 É certo que um valor menor de défice público é do agrado dos mercados e favorece a redução dos juros da dívida pública. Mas nós sabemos que os mercados financeiros são profundamente instáveis e pouco confiáveis. Agradar aos mercados financeiros e à Comissão europeia indo “para além do défice” inicialmente previsto não parece muito desejável. A menor devolução de rendimentos e a menor melhoria dos benefícios sociais concedidos pelo estado que resulta de uma tal assunção política não parece conforme à estratégia de desenvolvimento económico e social até aqui empreendida pelo governo de António Costa. Não será uma mudança de modelo mas é seguramente um desvio.
 
Passos Coelho gabava-se de “ir além da Troika” e deu no que deu. Que Mário Centeno e António Costa pesem bem os resultados do “ir além da Comissão Europeia”.