Acabo de ouvir numa entrevista do Mário Crespo a um economista da nossa praça, de nome Cantigas Esteves, uma afirmação peremptório do dito entrevistado, com a maior das convicções, que o “estado social” é insustentável, argumentando em defesa da sua tese de que bastam os “números” para o provar. Referia-se naturalmente aos “números” da nossa despesa pública e do endividamento público e das medidas de austeridade que estão a ser implementadas por essa Europa fora.
Vamos então aos números. Ainda que em decrescendo desde a década de setenta o certo é que os países europeus tiveram em média um crescimento anual de cerca de 2,5% do PIB (3,5% na década de 70, 2,5% na década de 80 e 1,6% na década de 90, excepção feita aos países nórdicos onde a taxa de crescimento médio a partir dos anos 90 era de 2,9% quando na França, Alemanha e Itália não ia além dos 1,6%. A produtividade aumentou 2,4% naqueles países enquanto que a França, Alemanha e Itália se ficou por um aumento de 0,5). Não se verificando um acréscimo populacional nestes países, e sendo, ano após ano, cada um deles um pouco mais rico, com taxas de crescimento da riqueza produzida sempre em crescendo, a uma taxa média de 2,5% como vimos, que razão existe para que os cidadãos tenham que reduzir o seu nível de vida, impondo-lhes salários mais baixos, uma segurança social mais reduzida e um menor e mais caro acesso à generalidade dos serviços prestados pelo Estado? É na realidade um contra senso. Mas alguma coisa terá mudado seguramente para que, em coro, esta Europa de pensamento único, repita vezes sem conta que o “estado social” tal como o conhecemos terá que desaparecer, que os cidadãos vivem acima das suas possibilidades, e que os países se devem preparar para novas “reformas” ou, por outras palavras, que os salários terão que diminuir (desejavelmente ao mínimo de sobrevivência), que o trabalho deverá ser desregulado (a comissão europeia aprovou recentemente legislação que aprova o prolongamento do horário laboral para as 65 horas semanais, alterando uma disposição datada de 1917 que fixava em 48 horas) e com maior precariedade e mais “flexível”, que a acção social do Estado deve ser reduzida ao nível mínimo e apenas para os mais miseráveis.
Contudo, quem tudo isto advoga, não responde à questão de fundo que colocámos. Qual a razão porque que os governos de hoje, com uma maior riqueza produzida em seus países, retiram condições sociais que há anos, com menor produção de riqueza, proporcionavam aos seus cidadãos? A resposta reside na implementação dos princípios económicos de uma “nova” doutrina que a partir sobretudo das últimas duas décadas se vem impondo no mundo - o neoliberalismo. Em termos económicos e sociais advoga a retirada do Estado das suas funções sociais, entregando-as ao privado (educação, saúde…,), naquilo a que chama “estado mínimo”, na desregulação de todas as normas que regulam o mercado, retirando ao Estado o seu papel regulador, considerando que o mercado “como mão invisível” se rege a si próprio. Nas suas “reformas”, consideradas pelos defensores do neoliberalismo com indispensáveis e da modernidade, verifica-se que todas elas possuem traços comuns - uma lógica economicista, o desmembramento do sector público, a aversão às políticas públicas, a redução da participação do Estado em políticas sociais, a mercantilização dos serviços essenciais - reduzindo os problemas sociais a uma questão técnica de gestão.
O neoliberalismo tem provocado a par de um gradual, ano após ano, menor crescimento económico, um acentuado e acelerado aumento das desigualdades da distribuição da riqueza (“a parcela de riqueza que é destinada aos salários é actualmente a mais baixa desde, pelo menos, 1960 (o primeiro ano com dados conhecidos). Em contrapartida, a riqueza que se traduz em lucros, que remuneram os detentores do capital, é cada vez mais alta”). E aqui reside a razão pela qual estão a ser retirados aos cidadãos benefícios que conquistaram há décadas.
A lógica da evolução económica desta “modernidade” só tem um único sentido - o agravamento, ano após ano, das condições de vida dos cidadãos e um maior enriquecimento dos detentores do capital. Será que o Homem se conforma com este “empobrecimento” relativo continuado ou, ao contrário, buscará uma nova alternativa? Essa alternativa existe e chama-se Democracia Social.
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