Todos eles. Políticos, politólogos, economistas e toda a espécie de comentaristas do “sistema”não se cansam de repetir a toda a hora, nos meios de comunicação social, que os cidadãos portugueses estão a viver “acima das suas possibilidades”. Vivendo confortavelmente do “sistema” e para o “sistema”, como elite dominante, tentam com os poderosos meios de que dispõem disseminar a sua “ideologia” dominante e assim perpetuarem os privilégios que ao longo das últimas décadas souberam acumular. Trata-se de uma falácia, de uma mentira, com o único objectivo de fazer aceitar passivamente as medidas de austeridade que se anunciam sobre as populações. Ignoram simplesmente, que 2 milhões de portugueses vivem abaixo do nível de pobreza, que milhão e meio de cidadãos vivem com pensões inferiores a
330 euros, que mais de
660 mil portugueses estão desempregados, que mais de 1,4 milhões de trabalhadores recebem um salário inferior a
600 euros ou que a média salarial dos 3,8 milhões de trabalhadores por conta de outrem não chega aos
780 euros mensais. Pouco lhes importa a miserável situação económica em que vivem 85% dos cidadãos portugueses, o desemprego dos jovens e a precariedade do emprego.
Em 1999, a dívida pública do Estado, não ultrapassava os 51,4% do PIB (abaixo dos 60% recomendados pela UE) e a dívida externa líquida não ia alem dos 33,1% do PIB. O que mudou então tão radicalmente na economia portuguesa para que tais dívidas tivessem um incremento tão abrupto, crescendo a dívida pública e a dívida externa líquida para valores incomportáveis, superiores a 115% e 130% respectivamente, e que condicionam, por imposições externas (UE), toda a nossa vida social e económica? Será que nestes 10 últimos anos a população portuguesa usufruiu de toda esta riqueza e numa tal proporção? Será que os salários ou as pensões dos trabalhadores duplicaram? Será que as benfeitorias do Estado duplicaram? Será que o “estado social” duplicou os seus apoios sociais numa tal proporção? Não parece que tal tenha acontecido. Pelo contrário, os aumentos salariais e os apoios sociais foram superiores na década de 80 e 90 sem que tenha havido semelhante descontrolo financeiro. Algo duplicou ou triplicou contudo nesta última década – os lucros dos bancos e das empresas monopolistas nacionais, o número dos órgãos parasitários do Estado e a corrupção institucional. E, nestes dois últimos anos, com a crise financeira internacional, uma outra situação se apresentou - dinheiro do erário público oferecido às instituições financeiras.
Na verdade, mantendo-se o nível salarial e os apoios sociais praticamente constantes nesta última década, existindo um aumento crescente da riqueza nacional (em 1999 o PIB era de 144.193 milhões de euros e em 2010 de 170.000 milhões de euros), permanecendo estável o número de habitantes e não existindo portanto diferenças significativas nas condições sociais dos cidadãos entre o início e o fim da década, que obscuras razões existirão então que obrigam a nossa elite dominante a apregoar, só agora e com tanta insistência, “que vivemos acima das nossas possibilidades”?
Foram a especulação financeira, as instituições financeiras, o capital financeiro os únicos responsáveis pela recente crise internacional. O capitalismo produtivo e o mundo laboral encontraram-se completamente à margem do eclodir desta crise. A especulação financeira cada vez mais imaginativa e movimentando cada vez maiores quantidades de dinheiro, fruto dos elevados rendimentos oferecidos, numa espiral de ganância incontrolável, com múltiplos e cada vez mais sofisticados produtos financeiros, ergueu uma fantástica e monstruosa pirâmide Ponzi que, enquanto perdurou acumulou ganâncias enormes que se alojaram em paraísos fiscais e, ao rebentar, provocou enormes perdas nas instituições financeiras. Dinheiro que os vários governos, dos vários países, se apressaram a cobrir. Mas é do capitalismo produtivo, do mundo laboral que o capitalismo financeiro reclama agora, através dos governos, com imposição de novos e mais gravosos impostos, cortes sociais e redução de salários, a reposição de todo o dinheiro perdido. E, como sempre, aí temos os governos prontos a responderem às suas ordens. Não se trata de “vivermos acima das nossas possibilidades”, trata-se de aceitarmos ou não, a mais profunda e abrupta alteração de rendimentos entre a maioria e uma minoria da população, entre uma elite dominante e uma maioria constituída não apenas de trabalhadores mas igualmente de empresários (o capitalismo financeiro actual ataca não somente os trabalhadores mas também os pequenos e médios empresários), trata-se de um agravamento abrupto das desigualdades sociais. Trata-se de aceitarmos ou não, o suicídio económico e social de uma nação.
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